Crítica
Ouvimos: Deerhoof – “Noble and godlike in ruin”
RESENHA: Deerhoof lança Noble and godlike in ruin: um Frankenstein sonoro com jazz, prog e crítica social. Barulho pessoal e político dos bons.
O “nobre e divino em ruínas” do título do 19º (uau!) disco da banda norte-americana Deerhoof vem do romance Frankenstein, de Mary Shelley – aliás, vem de um trecho em que o ser humano é visto como alguém vil, capaz das maiores mesquinhezas, e simultaneamente alguém nobre e virtuoso. A banda vê o disco como um Frankenstein sonoro, “de baixo orçamento”, cuja capa no estilo “vergonhosamente apresenta” não deixa mentir, com colagens dos rostos dos integrantes feitas com mão de onça.
Seja como for, se você esperava que alguém conseguisse unir referências de Captain Beefheart e Beach Boys fase Pet sounds num mesmo disco, seus problemas acabaram. Em Noble and godlike in ruin, o Deerhoof faz Overrated species anyhow soar como um gospel relaxante, cria um ritmo pseudo-latino desencontrado em Sparrow sparrow, faz uma espécie de jazz rock invertido em Kingtoe, soa jazzístico e ritmicamente pitoresco em Return. Por aí.
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Isso só para ficar na primeira parte do álbum, que ainda apresenta lá pelas tantas uma colagem sonora e rítmica digna de Mutantes em Ha, ha, ha, ha, haaa, espécie de progressivo assustador. Under rats é uma das faixas que poderiam ser chamadas de “progressivas”, mas um progressivo à moda de grupos como Primus, com invocações math rock, vocal que chega perto do rap, experimentações rítmicas – lá pelas tantas cabe até, como se fosse totalmente por acaso, um pedaço de Nessun dorma, ária da ópera Turandot, de Puccini.
O baú de referências do Deerhoof parece fazer Captain Beefheart e Mutantes se encontrarem com o Soft Machine (!) em Disobedience, cobre A body of mirrors com cordas misteriosas e uma erupção sonora e une vibes meditativas e ruidosas nos sete minutos de Immigrant songs. Dando atenção às letras, você percebe que a opção do Deerhoof pelo diferente não é só musical: temas como hostilidade, preconceito e maus tratos a imigrantes surgem em vários momentos das letras. Pode parecer um disco louco demais pra muita gente, mas é barulho pessoal e político dos melhores.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 8
Gravadora: Joyful Noise.
Lançamento: 25 de abril de 2025.