Cultura Pop
David Bowie copiando e colando
“Tenho usado cada vez mais e foi algo de longo alcance quando fiz o disco Outside“, sentenciou ninguém menos que David Bowie quando foi perguntado, pela BBC, sobre seu uso das técnicas de cut-up (corte e recombinação de textos).
Essa técnica, costumeiramente associada à escrita aleatória (surgiu como um desdobre do trabalho dos dadaístas) foi amplamente divulgada pelo escritor William S. Burroughs. E virou mania no trabalho de Bowie durante os anos 1970.
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No trecho acima do documentário Cracked actor, da BBC, de 1997, Bowie recorda que nos anos 1970 já usava a técnica para fazer canções como Young americans, além das letras de discos como Station to station.
“Se você põe duas ou três ideias desassociadas juntas, e cria relacionamentos estranhos entre elas, a inteligência inconsciente que vem dessas palavras juntas é surpreendente”, diz Bowie.
“É bastante provocativo. Um amigo meu de San Francisco desenvolveu um programa de computador que faz isso para mim rapidamente”, revela. O tal programa, Bowie revela que o ajudava a pegar trechos de poesias, artigos de jornais e tudo o que ele quisesse, e juntava tudo numa coisa só – poupando-o do trabalho de cortar e juntar tudo.
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Hoje, com a internet, isso virou brincadeira de criança (lembra dos geradores de letras do Carlinhos Brown e do Humberto Gessinger?). Mas tem cada vez mais gente desenvolvendo métodos similares. Um sujeito chamado Jason Chicola escreveu um artigo para o site Inc.com em que propunha um método em três etapas: 1) pegue um gravador e saia falando o que vier à cabeça; 2) transcreva e vá fatiando tudo; 3) reorganize as peças em novas conexões.
Foi mais ou menos como Burroughs conheceu o método, apresentado pelo escritor Brion Gysin, já que ele e o autor de O almoço nu passaram a aplicar cut-ups a gravações de áudio e à mídia impressa. Passou a defender o método dos cut-ups quase como uma forma de magia. Ainda mais quando, a partir de 1993, ingressou no Illuminates of Thanateros, um coletivo de ocultistas.
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Burroughs chegou a fazer um filme sobre a técnica, The cut-ups, ao lado do diretor underground Antony Balch. Todo o material feito para o filme foi editado aleatoriamente, a pedido de Balch. Na estreia em Londres, em 1967, o público odiou o filme.
Bom, odiar é pouco: teve gente falando que “The cut-ups me deixou doente!”. Tire suas próprias conclusões (se você detesta imagens velozes ou se sente mal com isso, tome cuidado).
Num texto do site Open Culture, o romancista Rick Moody diz que assim que ouviu o disco The next day, resolveu enviar um e-mail a Bowie para tentar entender mais detalhadamente algumas coisas do disco. Recebeu em troca um conjunto com várias palavras (coisas como “efígies”, “indulgências”, “anarquista”, “succubus”, “ctônico”) sem mais nenhum comentário do artista.
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Se você estiver com disposição para ler, Moody examinou cada palavra em um artigo sobre o disco, explicando que “David Bowie desorienta a interpretação autobiográfica, muitas vezes, ao reivindicar a reportagem e a ficção como metodologias de composição, e ele se esconde, ainda mais, no cut-up”, escreveu.
E nada melhor do que ver o próprio Bowie falando sobre como ele usava as técnicas de cut-up, direto do túnel do tempo dos anos 1970. “Não sei se é a maneira como Burroughs e Gyson usam o método, é a maneira como eu faço”, contou Bowie, que aparece no vídeo recortando vários papéis.
“Fiz isso para, mais do que tudo, acender qualquer coisa que possa estar na minha imaginação”, contou. “Muitas vezes pode surgir atitudes muito interessantes para observar. Eu tentei fazer isso com diários e outras coisas, e estava descobrindo coisas incríveis sobre mim e o que eu tinha feito e para onde estava indo”.