Cultura Pop
Com a morte de Luiz Schiavon (RPM), vai embora um sonho de música pop
O RPM, mais do que uma grande banda, com grandes composições, era uma banda… desencorajadora. Não apenas pela qualidade dos músicos ou até pelos atributos físicos do vocalista/baixista. Era desencorajadora porque ninguém conseguiria montar uma banda daquelas sem algo muito básico: boa condição financeira e espírito empreendedor. Ainda mais numa década considerada como “perdida” para o Brasil por vários economistas.
Se punks paulistanos pediam guitarras emprestadas para gravar, aprendiam a tocar bateria usando bumbos que eram usados como canoas em visitas à praia (sim, rolava), e volta e meia furtavam (ou tentavam furtar) instrumentos, o tecladista do RPM Luiz Schiavon apresentava o rock brasileiro à tecnologia. Na revista Bizz, em dezembro de 1985, na seção Meu instrumento, o músico contava que já tivera cerca de 20 teclados, antes mesmo do RPM estourar. Guitarristas são apegados aos seus instrumentos? Sem chance com Luiz, que havia passado um ano trancado em casa lendo tudo sobre sintetizadores, tratava seus equipamentos como carros e vendia tudo anualmente para garantir peças novas “e não perder o passo tecnológico”.
Por causa disso, não havia quem conseguisse passar batido pelo RPM, uma das primeiras bandas nacionais a conseguir mais do que oferecer música, vender experiência. Não que não houvesse isso antes (Rita Lee, solo com Roberto de Carvalho, era mestra nisso nos anos 1980). Mas era uma parte imensa da pacoteira, a ponto de Ney Matogrosso ter dirigido os rapazes. Por exemplo: shows com raio laser eram coisa pra banda gringa – por acaso dois grupos progressivos trouxeram a tecnologia para o Brasil, o Genesis em 1977 e o Yes no Rock In Rio, em 1985. E o RPM usava raio laser. Teclados de vários andares com monitor de computador não eram lá muito usuais fora do estúdio. Aliás não eram usuais de maneira geral no Brasil de José Sarney. E o RPM tinha isso no palco.
Apuro visual, roupas de grife, nomões na iluminação e na direção, design chique – mais que coisa pra banda gringa, isso era coisa pra artistas de MPB, gente que fazia temporadas em horário nobre no Canecão. E o RPM tinha isso tudo. A banda criou um padrão pretensioso e “sério” que ficava difícil de seguir, e que reescreveu as regras do showbusiness de uma hora para outra, a ponto de causar ressentimento em colegas. Correndo por fora, restava a música, e em Revoluções por minuto, estreia do RPM (1985) tem poucas canções menos que boas. Nas composições, Schiavon pegava a bola de Paulo Ricardo, trabalhava na zona cinzenta entre o pós-punk e o progressivo, e formatava canções como Louras geladas, A cruz e a espada, Rádio pirata.
Dá pena que a carreira do RPM tenha sido errática a ponto do grupo nunca ter tido a chance de amadurecer, de virar nosso Depeche Mode ou nosso Japan (sim, era possível fazer isso sendo original). Também não conseguiram fazer o possível para passar pelo grunge e pela febre acústica dos anos 2000 com dignidade, porque aí Paulo Ricardo já era solo. Mas deu certo a seu modo: escondido atrás do teclados, com uma aparência mais introvertida que a de seus colegas, Schiavon fez muita gente sonhar. Sonhar em começar a tocar, em ter mais acesso a instrumentos de ponta, em estourar um hit nas FMs, em levar o pop-rock brasileiro a níveis estratosféricos. Pro RPM isso passou rápido, mas a música de Luiz vai ficar.
Foto: reprodução instagram Paulo Ricardo