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Celso Madruga: funcionário de gráfica, músico e roqueiro

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Aos 55 anos, Celso Madruga (o sobrenome vem de uma época em que ele usava um chapéu parecido com o do personagem da série mexicana Chaves) tem vida dupla. No dia-a-dia, há vários anos, é o pacato funcionário da gráfica de uma escola em Niterói. Nas horas vagas, dedica-se a escrever versos, colecionar discos e a cantar em bandas que trafegam entre o blues e o rock, sempre inspiradas por nomes como Rolling Stones, Janis Joplin, Barão Vermelho e Cazuza.

Em 2021, Celso foi atrás do seu sonho. Alugou um estúdio e lançou o primeiro disco solo: 12 doses de veneno. O álbum tem músicas feitas em momentos diferentes da sua história. Algumas delas foram feitas com a primeira banda que teve, o Alma da Noite, que já tem duas décadas (e que surgiu de uma troca de correspondência na seção de cartas da Bizz, sobre material do Barão Vermelho, uma das bandas preferidas de Celso). Batemos um papo com Celso sobre o disco, o repertório e sobre a história tardia como músico e compositor – que inclui até uma parceria com Laura Finocchiaro, QI.

O disco já tem músicas prontas há muito tempo, não?

Já tinha um bom tempo que eu queria lançá-lo, mas não tinha condições financeiras para isso. Quando pintou de eu me aposentar e veio uma grana extra, falei: “Agora é a hora!”. Conversei com um amigo, o Maldini, que tem a banda Biographia 54 e tem um estúdio lá em Ricardo de Albuquerque (bairro da Zona Norte do Rio), e ele fez um preço, e eu resolvi fazer uma faixa por mês. Peguei músicas do início da minha primeira banda, o Alma da Noite, e umas músicas mais recentes. Selecionei essas doze que eu acho que são as mais legais minhas, e que têm a ver uma com a outra, as ideias uma com a outra…

Eu já tinha definido o repertório em fevereiro de 2020 e estava tudo bem. Um mês depois veio a pandemia e eu: “Caraca…”. Falei com Maldini no telefone e começamos a nos organizar com máscara, álcool gel.  Foi devagarzinho, mas comecei a pegar o trem para Ricardo de Albuquerque, tomando todos os cuidados, e gravei.

Tem muito blues no repertório, a maioria das influências é dos anos 1960, 1970. Como você foi montando o som que queria fazer?

Então, era meu primeiro disco e não sabia se seria o único… Bom, agora eu sei que não vai, já estou pensando no próximo. Mas na época eu procurei botar todas as referências do que eu já ouvi no rock, da minha adolescência até hoje. Comecei ouvindo Beatles, Led Zeppelin, Janis Joplin, Jimi Hendrix. O rock mais clássico, fim dos anos 1960 e início dos anos 1970. E rock nacional, Barão Vermelho, Legião Urbana, Titãs. Fiz uma mistura e saiu isso. Ficou essa coisa mais rock clássico, mas quase com um pé nos anos 1970. Tanto que tem uma música chamada Do vinho à lua que, na minha cabeça, era para ser um rock progressivo. Falei: “Vou meter uns teclados aqui, uma coisa mais viajante, para tirar um pouco aquela coisa mais tradicional do hard rock e do blues”. Ele é um disco de rock e blues, mas acaba calmo. A última faixa, Magia de viver, na minha cabeça tinha aquela coisa de Clube da Esquina, Milton Nascimento.

E o Barão e o Cazuza são influências grandes, pelo que dá para ver…

Sim,  e o Barão bebe muito na fonte dos Rolling Stones, é uma influência em cima da outra.

Como você começou a compor?

Sempre escrevi poesia desde os 15 anos, mas era aquela coisa aleatória. Comecei a trabalhar em gráfica desde os 16 anos. Meu pai trabalhava na gráfica do colégio, eu fiz um curso e comecei a trabalhar lá em 1983. Ano que vem faz 40 anos que eu estou no mesmo endereço. Comecei como empregado, montamos a cooperativa e estou até hoje lá. Fui escrevendo, mas era uma coisa ali, outra aqui, sem muita pretensão. Depois que me separei do meu primeiro casamento, estava de bobeira e resolvi fazer umas aulas de violão com o Raul Menezes, aqui de Niterói. Mas ele é mais professor de samba, bossa nova. Falei que queria mais era aprender para compor rock, blues. Ele me ensinou as posições básicas e eu fui aprendendo de leve.

Ao mesmo tempo em que eu gostava de colecionar discos de rock e tudo referente a isso, e o Barão era uma das minhas preferidas, eu coloquei anúncio na revista Bizz para troca de material sobre Barão e Cazuza. Um cara leu, e esse cara era o Antonio Bastos, que ficou meu amigo. Ele morava em Niterói na época. Ele viu meu telefone lá, me ligou, fui na casa dele e vimos que tínhamos as mesmas referências. Ele falou pra mim que tocava baixo e eu mostrei meu livro de poesia para ele. Ele disse: “Pô, isso aqui dá umas músicas legais, posso musicar?”. Ele começou a musicar meus poemas e disse para a gente montar uma banda. E falou: “Como você não toca instrumento nenhum, vai cantar”. E eu já gostava de cantar em karaokê.

A gente começou a compor e ele disse que precisava de um guitarrista e um baterista. Eu estava com o segundo casamento em crise, participando de um encontro religioso na Igreja do Salesianos. Conheci o Marcelo Ferraz, que tinha 16 anos e era cabeludo, tocava guitarra. Já achei o guitarrista, pronto. Tinha um cliente nosso lá do trabalho, o Alexandre, que tocava bateria. Falei: “Já tenho o pessoal pra montar a banda e já tenho o nome, vai se chamar Alma da Noite”. Começamos a ensaiar num estúdio em Piratininga. O Antônio, no baixo, era o mais experiente, o Marcelo estava aprendendo a tocar, o Alexandre só tinha tocado bateria aos 15 anos, eu nunca tinha cantado em lugar nenhum a não ser karaokê…

E aí?

O que deu certo ali foi que quando começamos a ensaiar – mesmo que a gente tocasse uma do Barão, uma da Legião – insistimos em tocar as autorais. Em três meses a gente já tinha doze músicas próprias. Pensei: “Então assim que é uma banda, que se compõe uma música?”. E tomei gosto por aquilo. Fomos tocando o barco. O Antônio depois saiu de Niterói, foi morar no Rio, saiu da banda, mas continuamos a parceria. O legal era que a gente estava aprendendo tudo ao mesmo tempo. A formação mudou, entrou o Davi. E fiquei com duas bandas, porque o Antônio me chamou para uma banda dele, A Trilha. Aos poucos fui evoluindo, e todo mundo da banda também. E depois eu comecei a compor sozinho. Foi um lance de autodidata, o Marcelo diz que foi por osmose.

Como é teu dia a dia no trabalho?

Acordo seis da manhã, geralmente vou a pé. Levo 35 a 40 minutos do Largo da Batalha (bairro de Niterói) até o trabalho a pé. Numa época de dureza, eu comecei a trabalhar a pé e peguei gosto. Volto de ônibus, nesse calor de verão não dá para ir a pé. Na pandemia, a gente trabalha só até meio-dia, 14h no máximo.

Eu trabalho no acabamento – lá na gráfica é impressão e acabamento. Eu trabalho numa máquina que só numera. Se sai uma nota fiscal da máquina de impressão, vai para mim, e eu faço a numeração. Depois faz serrilha, acabamento, bota os blocos, põe na cola, grampeia, entrega. Eu e mais dois colegas fazemos essa parte. Outros três trabalham na impressão.

Já surgiu música nas horas vagas?

Quando eu ligo a máquina, preciso vigiar a numeração. Tem trabalhos que demoram uma hora e meia para terminar, e já aconteceu de surgir a ideia para alguma música. Como é gráfica, e tem papel sobrando aqui e ali, depois que terminava o trabalho, eu anotava. Tenho cadernos e mais cadernos dessas anotações. Eram coisas que começaram como poesia e viraram música.

E você resolveu fazer o disco em CD?

Na verdade mandei imprimir cem CDs, e já vendi todos. Dei o CD para algumas pessoas mais chegadas. Fiquei impressionado de ver que algumas pessoas que eu só conhecia do Facebook queriam mesmo comprar o CD. Pediam número de conta para fazer o depósito. A capa foi feita por um desenhista lá de perto da casa do Maldini, quadrinhos é uma referência minha também. O que eu investi no CD não se pagou, mas foi minha experiência de fazer o disco, de deixá-lo para a posteridade. Vou embora um dia, mas vai ficar o disco aí. Meu neto vai ouvir, vai falar: “Olha o CD do meu avô, o cara era roqueiro!” Lógico que tem as plataformas digitais…

E você já está pensando em outro?

Sim, mas a gente vai trabalhar primeiro esse, porque nem deu para fazer muito a divulgação, né? A gente vai gravar um clipe da música Piada sem graça, fiz uma pesquisa com amigos mais chegados e foi a que a galera mais curtiu. Em fevereiro vamos começar a ensaiar o repertório, mais algumas covers, de Titãs, Ira! O próximo a gente deve gravar algumas faixas esse ano e sai ano que vem.

E você já mostrou o disco pro seu neto?

Não, ele tem três meses! (rindo). Mas futuramente vou mostrar coisas de rock, surfe, skate. Vou mostrar as bandas de rock que eu gosto, John Bonham tocando bateria em Moby Dick, para ver se ele gosta de tocar bateria lá pelos 4 ou 5 anos. Ou vai ver que ele gosta de skate, surfar, jogar futebol… Mas aí é com ele, né? Se ele gostar…

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