Crítica
Ouvimos: Catto – “Caminhos selvagens”
RESENHA: Catto mistura MPB, glam rock e emoção crua em Caminhos selvagens, disco urgente e intenso, com letras confessionais e som poderoso.
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Caminhos selvagens, disco novo da Catto, é regido pela urgência, pela intensidade e pela necessidade – uma necessidade, talvez, de dizer tudo antes que o mundo acabe. Cada letra, cada música e cada nota musical parecem escavadas com a unha. O disco tem oito músicas que soam como se tivessem saído de um coração em combustão, como nos melhores momentos de David Bowie, Maria Bethânia ou Gal Costa.
O grande lance de Caminhos selvagens é que se trata de um disco de MPB, só que filtrada pelo lado maldito do rock, dos blues sentidos, do glam rock mais explícito e de sons alternativos. Na abertura, dá para enxergar em Eu não aprendi a perdoar um pouco daquela qualidade de gravação anos 1980, com o reverb da época (aliás, dá para lembrar até daqueles clipes do Fantástico feitos com lente grande angular e clima de novela), além de emanações dos LPs oitentistas de Joanna. Só que tem um clima apocalíptico de 2025 ali: é uma faixa que soa como se Michael Sullivan e Miguel Plopschi resolvessem produzir um disco para a antiga RCA brasileira em 1987 depois de ouvir sons lo-fi e noise pop.
Fica claro que a urgência manda em Caminhos selvagens. Ainda mais depois do “1,2,3” ríspido contado por Catto no começo de Eu te amo, uma balada entre o folk e o soft rock brasileiro. Solidão é uma festa mistura confissão e teatralidade, com piano sombrio e ecos dos primeiros tempos do Suede. Para Yuri todos os meus beijos, por sua vez, é soft rock com herança de Suede, de emo, de MPB de rádio dos anos 1980, com letra altamente confessional.
Um clima íntimo, de feridas emocionais expostas – explícito no verso “os amores que enterrei sob o meu país cheio de horror” – toma conta da faixa-título, marcada por emanações de Milton Nascimento (na melodia), Guilherme Arantes (no piano), Beto Guedes (nos vocais, bastante) e Elis Regina (nos vocais, em especial). Catto, como acontecia nas letras do Clube da Esquina, e igualmente em boa parte do repertório escrito por Renato Russo, fala da própria história como se fosse uma bandeira, num conceito artístico cheio de verdade, com todas as letras.
O trio final de faixas foca mais ainda no lado variado e pop de Catto. Madrigal soa como um rock de arena como clima ligeiramente country – cordas, guitarras e vocais promovem união simultânea com Queen e MPB setentista. 1001 noites is over parece Rita + Roberto e Marina Lima em negativo, canção pop cativante com tom cru, pesado e quase pós-punk, em que ela repete a frase “eu só quero arrasar e ser feliz”. Leite derramado fecha o ciclo trazendo paz e parecendo contar o fim da história – e une toques de britpop e MPB, em arranjos, vocais, cordas e climas. Caminhos selvagens flagra Catto com desejo, criatividade, verdade e pressa. Agora imagina isso ao vivo.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 10
Gravadora: Independente/Tratore
Lançamento: 15 de maio de 2025.