Cultura Pop
“Blank generation”, de Richard Hell & The Voidoids, volta em edição dupla
Tem um clássico do punk voltando em edição turbinada no fim do ano. Blank generation, de Richard Hell & The Voidoids, fez 40 anos em setembro e retorna em CD duplo e LP duplo no dia 24 de novembro. Se resolver comprar, corra: são apenas 5250 cópias em CD e 4500 cópias em LP do disco que praticamente mostrou qual era a daquela geração que surgia no mercado fonográfico no fim dos anos 1970, fazendo músicas com poucos acordes e letras ácidas, e inspiradíssima por grupos como Velvet Underground, Stooges e New York Dolls.
O som e o conceito de Blank generation vieram da cabeça de um cara do Kentucky chamado Richard Myers. Richard, futuramente conhecido como Richard Hell (por causa do “inferno” que era sua vida, como afirmava), era poeta, escritor e crítico de música bem antes de passar a compor e gravar discos. No começo dos anos 1970, foi para Nova York com o amigo Tom Verlaine (então um violonista e compositor de folk) ver um show dos New York Dolls, banda cujos integrantes tocavam travestidos e só subiam no palco após entupirem veias e narizes de heroína e cocaína. Passou a pressionar o camarada para montar uma banda naquele estilo, proto-punk, com tendência a chocar meio mundo. Surgiu o Neon Boys, depois Television, grupo que chegou a fazer testes com um baixista chamado Dee Dee Ramone (dispensado porque não conhecia uma nota sequer).
Heroína e cocaína, por sinal, faziam parte do dia a dia de Hell, que depois de Blank generation passaria tantos problemas com as drogas que daria um tempo na música. O visual do músico, todo rasgado e com cabelos espetados, inspirou as roupas da boutique londrina Sex (de Malcolm McLaren e Vivienne Westwood) e, por consequência, os Sex Pistols). Vivienne, que viu o Television no CBGB’s, em Nova York, adorou Hell. “Ele era um cara todo desconstruído, detonado. Parecia ter acabado de se arrastar por um bueiro, que não dormia havia anos”, contou.
O jeito doidão acabaria tirando Hell do Television, já que Verlaine detestava drogas, encanava com a falta de técnica do amigo e começaria a cortar suas músicas do repertório do grupo (Blank generation, originalmente uma canção do Television, foi limada, o que representou a gota d’água para Hell). Em 1975, montou o Heartbreakers, na verdade um trio de heroinômanos, que incluía também dois ex-New York Dolls, Jerry Nolan e Johnny Thunders. Durou pouco tempo: em 1976, Richard se juntou a Robert Quine (guitarra), Ivan Julian (baixo) e Marc Bell (bateria) e formou os Voidoids. Malcolm McLaren, novamente, chegou junto e ouviu o repertório solo de Hell. Gostou tanto que roubou várias ideias e levou para os Sex Pistols. Hell diz até hoje que Pretty vacant teve sua letra roubada de Blank generation, já que ambas as canções falavam sobre como a geração punk pensava e sobre como essa turma rejeitava as regras da turma mais velha.
https://www.youtube.com/watch?v=5mc4DFT1bwA
O repertório de Blank… era maluco ao extremo, em músicas como Love comes in spurts (O amor vem em jorros, exatamente isso que você imaginou), Who says (cuja letra era uma ode ao vício em heroína, ao isolamento e ao namoro com o fim da linha) ou as histórias bizarras de The plan e Betrayal takes two. Já a maluquice mesmo viria na turnês do lançamento do disco, com o grupo abrindo para o Clash e levando cusparadas (e latas de cerveja, cheias) todas as noites no palco.
Os bastidores eram mais complexos ainda. Hell ficou sem saber como conseguir heroína na turnê e entrou em crise. Julian foi dividir um apartamento com Hell e, dentre suas recordações, estão as noites que passou tentando livrar o anfitrião de se afogar na banheira – na qual ele se deitava chapado de heroína. Quine, ao levar um copo cheio de cerveja na cabeça num show, agrediu sete pessoas na plateia com sua guitarra, como se fosse um taco de beisebol (“eles adoraram!”, lembrou depois). Marc Bell, cansado da falta de perspectivas e do antiprofissionalismo do próprio líder do grupo – que disse nunca ter visto a si próprio como um músico ou um popstar – aceitou uma proposta para virar baterista dos Ramones. Mudou de nome para Marky Ramone e entrou para o grupo a partir do disco Road to ruin, em 1978.
https://www.youtube.com/watch?v=z4tVJWF6fe8
Com o esvaziamento dos Voidoids, Hell virou escritor, crítico de cinema e poeta em tempo quase integral, voltando de vez em quando para discos e shows. Em 1980 Blank generation virou filme, com Hell iniciando carreira de ator – interpretou um roqueiro chamado Billy, que vivia um romance com uma jornalista francesa (Nada, interpretada pela modelo e atriz Carole Bouquet). No ano passado, Hell homenageou o falecido amigo Quine com o disco Quine/Hell, um LP gravado apenas de um lado, com músicas solo de Quine e músicas relativas aos dois amigos. E em 2015 pôs várias lembranças do começo do punk em seu livro de memórias e ensaios Massive pissed love.
E enquanto você aguarda a nova edição de Blank generation, fique aí com o original. A nova edição vai vir com faixas de compactos, out-takes e gravações do primeiro show da banda no CBGB’s em 1976.