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Vladimir Brichta: “Os anos 1980 foram uma época de mais liberdade e menos profissionalismo”

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Vladimir Brichta nasceu em março de 1976. Tem 41 anos. Quando Xuxa estreou na Globo, em 1986, ele tinha dez – ou seja, viu muita Xuxa, muito desenho Caverna do Dragão, etc. E era criança numa época em que todo mundo gostava de Chaves, que Bozo era o principal programa infantil do SBT, etc. Batemos um papo com ele sobre o que ele mais curtia ver na TV nessa época e sobre como está sendo para ele interpretar um dos atores que fizeram o Bozo no Brasil (Arlindo Barreto, que no filme aparece como “Augusto”) no filme Bingo – O rei das manhãs. E ele revela que sempre achou que iria profissionalizar-se como ator quando os anos 1980 começassem a virar tema de filme (as aspas dessa entrevista são o bruto de uma matéria que fiz pro O Dia).

Você era fã do Bozo? O que você via na TV quando criança? Eu via de tudo, pasei os anos 1980 vendo muita televisão. Vi muito programa infantil. As minhas escolhas eram mais baseadas nos desenhos que os programas passavam. Eu acabava mais assistindo ao Xou da Xuxa porque eu gostava mais dos desenhos que passavam lá. Via de tudo. Eu morava em Salvador e tinha uns programas infantis locais. Tinha a Mara Maravilha, que depois se tornou nacional. Eu acabei assistindo muito aos programas locais de lá. Mas vi muita coisa. Eu me lembro de ver muita novela, ver o Chacrinha, que era um programa que tinha muito de improviso… Isso me marcou muito.

Particularmente o que representou para você fazer um filme sobre um ícone de sua infância? Bom, eu acho que esse filme, mais do que representar um ícone de uma época, ele representa uma própria época. O Bingo não é só um palhaço, um apresentador. O personagem antes de tudo é o ator Augusto. Fazer um ator antes de ser um palhaço, pra mim foi uma experiência incrível. E também foi incrível representar os anos 1980. Os anos 1980 também são um personagem. Eles estão representados ali através da produção de arte, das músicas, da trilha sonora, dos costumes que a gente vê ali, do showbusiness. Acho que tudo tá ali presente e de maneira muito forte. E eu sempre esperei muito por esse momento. Lembro que na década de 1990 assistia a filmes ambientados nos anos 1970. E acho que os anos 1980 demoraram até serem representados. Eu sempre pensei que eu já seria profissional quando fossem representados os anos 1980. E que eu gostaria de fazer parte disso. De repente me vi no meio de um filme que é mergulhado nessa década. E é sem crítica, a gente não faz uma crítica ou um deboche da época. A gente vive com intensidade e com verdade aquele período, que era de mais liberdade, menos responsabilidade e até de menos profissionalismo na indústria do entretenimento e da televisão.

O que você pode dizer que acha mais fascinante no Augusto? Além de ele ter uma relação muito linda e muito difícil com o filho, o que me motivou muito a fazer o filme foi a ideia de um ator que precisa ter reconhecimento. Não basta ter um bom salário e o personagem que ele faz fazer muito sucesso se ele se mantém anônimo. Acho que nenhum ator suportaria isso. Me fascina a ideia desse personagem ser um ator que consegue sucesso, mas isso não significa o sucesso que ele pretendia. O sucesso que ele planejou pra ele não se concluía com aquilo. Essa angústia de ele mostrar a cara e se revelar pro mundo me chamou a atenção. Tem também o fato de ele ser um palhaço, um cara que vende alegria e ao mesmo tempo tem um lado muito destrutivo e sombrio. Tem essa ideia de que humoristas flertam com um lugar muito triste, muito deprimido. A gente vê isso no Jim Carrey, no Robin Williams. Acho que isso me fascina, é extremamente humano.

Você já tinha sido palhaço alguma vez na vida? Se for levar em conta essa coisa da figura clownesca, acho que pago minhas contas há bastante tempo com isso… Mas a ideia de montar a figura do palhaço só tinha experimentado uma vez no palco. Eu fazia um ator numa peça e veio a ideia de experimentar com a figura do palhaço. Eu brincava, fazia uma cena curta, funcionava. Pra me preparar contei com a ajuda do Fernando Sampaio, parceiro a vida inteira do Domingos Montaigner na companhia La Minima. Ele me ajudou na construção, no entendimento de que eu era um palhaço. A gente ensaiou uma entrada de palhaço. Fui até um circo, me joguei pra ver se dava certo, com a cara pintada, sem que ninguém soubesse que eu era. Só aí que eu bati no peito e falei: “Eu sou um palhaço!”. No caso da maquiagem, só era muito difícil por causa da maquiagem. Era muito quente! Precisava retocar diversas vezes.

E como lidou com essas contradições do Augusto? Essa dubiedade, essas contradições de sentimentos, eu acho que são muito humanas. Isso é valioso e importante de mostrar. Nós humanos somos capaz de até num enterro de um parente próximo, escutarmos alguma coisa engraçada e acabamos gargalhando. Se a gente perde o pudor de rir em lugares que a gente não supunha que era possível, acabamos fazendo isso de forma mais tranquila. Foi um presentaço fazer um personagem com características tão contraditórias.

Domingos Montaigner aparece em seu último papel antes de morrer, em Bingo. Emocionalmente falando, qual o peso disso pra você? O Domingos foi um grande artista. Um palhaço incrível, junto com o Fernando Sampaio. Um ator incrível, um galã incrível… Um artista completo, músico também. Tive a oportunidade de conviver com ele um pouco e era um cara admirável, encantador, as pessoas se apaixonavam por ele, porque ele carregava uma essência muito bonita. Isso aparece no filme e tentei carregar isso para o meu personagem, a ideia de um palhaço artista, um cara que com todas essas contradições, carrega uma essência bonita. O Domingos carregava isso de um jeito único. Vê-lo em cena é muito emocionante. Ele não está só nas cenas, deu assistência aos textos que falam do palhaço.

Pouco antes de o filme estrear, perdemos Jerry Lewis e Paulo Silvino. Foram referências para você? Claro, vi muito o Jerry Lewis na minha infância. E vi muito Paulo Silvino também. Vi muita gente, até mais antigos, Charles Chaplin… Vi muito Jim Carrey, depois descobri o Andy Kaufman. Depois vi o Pedro Cardoso, comediante fora de série, sensacional. Carrego todos eles comigo. O Paulo era um criador de bordões engraçadíssimos. E bordões sobre coisas que só ele podia fazer, uma lição de como fazer humor sem soar preconceituoso, mas brincando com temas espinhosos. O Jerry Lewis… o corpo dele em cena, quando eu dava por mim já estava imitando. Era um trabalho corporal estupendo. Quando um artista morre de velhice, é sempre melhor do que quando ele desiste da vida.

E essa entrevista foi só para te avisar que já está no Spotify a trilha sonora do filme – na real uma playlist com as músicas usadas na produção. Só clássicos da época: Titãs, Metrô, Gretchen, Echo & The Bunnymen… Até Nena, com 99 red balloons, entrou na trilha.

Foto: Divulgação

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