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Beatles: qual é a das coletâneas “vermelha” e “azul”, afinal?

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Relançadas com nova mixagem, som surround Dolby Atmos (dependendo da escolha do consumidor) e músicas a mais, as coletâneas “vermelha” e “azul” dos Beatles são originalmente lançamentos BEM menores da banda, se comparados a álbuns de carreira como Please please me (1963), Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band (1967), Abbey road (1969) e etc. E não poderia ser diferente no caso de compilações de “melhores sucessos”, claro. Mas são discos que têm história, e muita.

Pra começar, são álbuns que cabem muito bem num contexto em que o The Who, uma banda com menos LPs lançados que os Beatles no começo dos anos 1970, já reembalava hits em compilações havia alguns anos. E era uma época em que 1) nem sempre discos ficavam em catálogo por muito tempo; 2) havia uma onda de nostalgia do rock que fazia com que as pessoas relembrassem os Beatles e vários roqueiros de outrora.

No caso dos Beatles, fatores tanto da história da banda quanto do mercado musical colaboraram para o lançamento desses dois discos – que, você deve saber, uniam hits de 1962-1966 e de 1967-1970, respectivamente. Para começar (e isso explica boa parte da parada), os dois LPs duplos, lançados em 2 de abril de 1973, foram o último ato do empresário-estrela Allen Klein à frente dos negócios do grupo.

Tido como manager do mal por muita gente, Allen tinha virado gerente de negócios da banda em 1969 e, por consequência, comandante da Apple Corps, empresa dos Beatles – que continuou, você deve saber, existindo mesmo após o fim da banda. Fez uma sangria na firma, demitiu muita gente, fez o possível (pelo menos no começo) para demonstrar que estava comprometido em salvar a banda dos negócios mal sucedidos. Mas nunca foi aceito por Paul McCarney, que pessoalmente e profissionalmente não gostava de Allen, e queria o pai e o irmão de sua namorada Linda Eastman no cargo.

Com o tempo, cada um dos três outros beatles foi passando também a detestar Klein e a dar razão a Paul. Cada um por seus motivos particulares, diga-se (John Lennon, por exemplo, não achava que o empresário dava atenção o suficiente a seus manifestos políticos). O dia 2 de abril de 1973 foi também a data em que Klein emitiu um comunicado dizendo que estava se desligando profissionalmente de George Harrison, Ringo Starr e John Lennon, os três já em carreira solo, com a Apple ainda rolando e os Beatles rendendo um espólio bacana e complicado.

Isso rolou um pouco pela falta de vontade do trio em continuar seguindo com ele, mas também um pouco pelo próprio Allen ter descoberto que secretamente, a banda já vinha pedindo conselhos sobre como se livrar dele – já que estavam amarrados por contratos e o empresário ainda dizia que o grupo lhe devia dinheiro (e muito).

Mesmo que os Beatles estivessem efetivamente acabados, havia certa expectativa de que, sem Klein, a banda se reunisse – a verdade é que trabalhos pessoais e problemas mal resolvidos de ego jamais deixariam que isso acontecesse. De qualquer jeito, o imponderável aconteceu: no fim de 1972, uma gravadora pequena de Nova Jersey chamada Audiotape Inc. aproveitou brechas nas leis de direitos autorais e lançou quatro (qua-tro!) coletâneas dos Beatles chamadas Alpha Omega, com fonogramas tirados das edições norte-americanas da banda.

A compilação, no total, tinha 60 faixas reunidas de modo cagado – muita coisa parecia estar numa ordem alfabética sem revisão. Foi anunciada na TV e vendeu bastante até ser retirada de catálogo. Klein iniciou um mega-processo em nome de Lennon, Ringo e Harrison, que atingiu não apenas a Audiotape como as emissoras que transmitiram os comerciais (e que depois foram retiradas do processo por terem parado de passar o reclame). Mas os discos pelo menos serviram para mostrar que se os Beatles quisessem lançar uma coletânea oficial de seus hits, ora bolas, venderiam bastante. Dito e feito: Allen Klein ordenou à Apple que os discos fossem lançados – e as duas coletâneas bateram recordes de vendagem.

1962-1966 e 1967-1970 não foram lançados de imediato (saíram, já falamos, no dia em que Klein deixou a Apple), nem contaram com a boa vontade da banda. Klein simplesmente avisou que os LPs sairiam e pediu colaborações de todos, mandando listas de músicas para cada um. Harrison fez a maior parte das escolhas, Lennon mandou dizer que estava ocupado demais para se envolver com aquilo, Ringo não estava nem aí, Paul se recusou a colaborar e depois disse nem ter ouvido os discos.

Nessa época, o ex-empresário se esmerava em intimar e processar os Beatles pelos mais diversos motivos, e havia decisões relativas aos álbuns solo dos integrantes que passavam por ele, já que o selo Apple permaneceria sendo usado em discos como Band on the run, de Paul e sua nova banda Wings. Neil Aspinall, assistente pessoal dos Beatles desde o começo da banda, pegou a vaga de Klein no comando da Apple. Em 1974, já com Klein fora da Apple, mas ainda processando todo mundo, chegou a haver uma quase-reunião dos Beatles em Nova York (Lennon mandou um representante). Mas foi pra tratar de assuntos jurídicos.

As duas coletâneas serviram para reavivar o interesse pela banda e para mostrar que se os Beatles não existiam, o legado interessava até mesmo a fãs que eram crianças em 1970, quando o grupo se separou – em 1974, houve a primeira Beatlefest, reunião de fãs e colaboradores dos Beatles, em Nova York, lotada de fãs de 13, 14 anos de idade. Biógrafos associam o lançamento da coletânea Endless summer, dos Beach Boys (1974) com esse disco, mas a Capitol já vinha lançando greatest hits do grupo desde os anos 1960.

Uma curiosidade dos dois discos foram as capas, trazendo as fotos de Angus McBean que mostram a banda no mezanino do prédio da EMI em duas fases. A do álbum 1962-1966 foi parar originalmente na capa da estreia Please please me (1963). A do 1967-1970 foi tirada em 1969, originalmente para o disco Get back – mas não foi aproveitada na capa do LP Let it be e foi deixada de lado. E os Beatles por acaso não foram os primeiros nem seriam os últimos a tirarem fotos no prédio da gravadora, como você já viu aqui.

Ah, e aí embaixo, você confere o comercial de TV das coletâneas, veiculado em 1973.

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