Cultura Pop

Aquela vez em que falei com o Death

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Nos últimos dias, alguns sites de música e de cultura pop relembraram a trajetória da banda americana Death, formada por três músicos pretos (que eram irmãos) e que faziam um som aparentado do punk em Detroit, em 1974. O grupo deixou um único disco gravado, que nunca foi lançado, e muitas vezes tangenciava o hardcore. Em 2009, após algumas faixas desse álbum irem parar na internet, o filho de um dos integrantes ouviu uma das canções, reconheceu a voz do pai e o avisou que havia interesse sobre o grupo. A gravadora Drag City Records resolveu lançar o disco, com o nome de … For the whole world to see, finalmente. E o que era uma lenda esquecida havia anos em Detroit virou verdade.

Logo depois do lançamento do disco, o cenário em torno do Death (os irmãos Bobby e Dannis Hackney, os únicos vivos do trio – David já havia morrido de câncer de pulmão) mudaria bastante. You’re a prisioner, uma das músicas de …For the world, entrou em 2011 para a trilha do filme O mafioso, de Jonathan Hensleigh. Em 2013 sairia o documentário A band called Death, dirigido por Mark Christopher Covino e Jeff Howlett.

O grupo lançaria outros discos (um de demos, e mais dois novos, com outra formação em que Bobbie Duncan ocupava o lugar de David na guitarra). E em 2016 viria até no Brasil, para três apresentações, duas em São Paulo e uma em Curitiba

E ontem me lembrei que eu mesmo cheguei a entrevistar o Death em 2009, para o Jornal do Brasil, quando quase não se falava do grupo, ainda mais no Brasil.

O PRÉ-PUNK QUE FICOU ESQUECIDO EM DETROIT
Publicado no Jornal do Brasil em 14 de março de 2009

Quando os irmãos negros Bobby (baixo e vocais), Dannis (bateria) e David Hackney (guitarra, morto em 2000 de câncer de pulmão) iniciaram a banda Death, em 1974, em Detroit, não havia punk rock. Havia o que os músicos da região chamavam de hard-drivin’ rock’n’roll, o som pesado e acelerado feito na cidade que deu origem aos pré-punks Iggy Pop e MC5. Era o que o trio pensava fazer quando gravou, naquele ano, o engavetado … For the whole world to see, que sai só agora em 2009 em CD, vinil e Mp3 pelo selo independente Drag City, de Chicago. E que revela uma sonoridade que, antes de lembrar seus conterrâneos, beira o hardcore.

“Nos víamos como uma banda de rock’n’roll. Não estávamos querendo inventar uma nova denominação para o rock”, diz o baixista Bobby ao Jornal do Brasil, de New England, revelando que o material do disco esteve parado por anos nas casas dos músicos, após saírem de Detroit, nos anos 70. “Meu filho, também músico, descobriu que havia curiosidade em torno da gente e nos chamou a atenção”.

A história da banda é peculiar. Primeiramente influenciados pelos Beatles, graças ao pai (que mostrou a banda aos filhos quando ela se apresentava no Ed Sullivan Show, em 1964), os rapazes começaram fazendo soul e funk. Passaram a ensaiar juntos mais a sério em 1971. Mas, em 1973, após assistirem aos Stooges no Michigan Palace, adotaram o nome Death e transmutaram-se em banda de rock pesado, com letras ácidas e políticas. Canções que só agora saem dos porões dos músicos, como You’re a prisioner, Freakin’ out e Where do we go from here vieram dessa transmutação, influenciada também por rockstars locais como Alice Cooper, Grand Funk Railroad e Ted Nugent. A curiosa Let the world turn, por sua vez, revela um estranho lado progressivo do trio.

“Também gostávamos de Pink Floyd, King Crimson e do Emerson, Lake & Palmer de álbuns como Brain salad surgery. David compôs essa música pensando numa espécie de rock-concerto”, recorda.

Mesmo com a guinada para o punk, o material de … For the whole world to see foi produzido por um nome conhecido da cena soul de Detroit, Don Davis, para sua gravadora Groovesville Productions. Originalmente, era uma demo que seria mostrada para as grandes gravadoras. E que quase garantiu a entrada na Columbia Records.

“A gravadora gostou do que ouviu, mas não aprovou o nome da banda. Não quisemos trocá-lo. Lembro de David ouvindo isso e falando: Hell! No!“, lembra Bobby que, com o Death, lançou um single independente em 1976, cujas músicas também estão no CD, Keep on knocking e Politicians in my eyes.

Produtor responsável por levar o material do Death para a Drag City, Robert Manus pergunta-se o que a banda estaria fazendo hoje se tivesse feito um lançamento maior em 1974.

“O que mais chama a atenção é que eles estavam levando o rock para outro nível e não sabiam disso”, afirma Manus. “A rapidez é a chave para entender o som deles.”

Mesmo após o Death, as mutações sonoras continuaram fazendo parte da vida dos músicos. Bobby, Dannis e David chegaram a montar uma banda de rock gospel, The 4Th Movement, em 1977. Em 1981 a cozinha do trio deu origem ao grupo de reggae Lambsbread. Bobby e Dannis começam a pensar numa turnê e mantém um endereço no MySpace (www.myspace.com/deathprotopunk).

“Chegamos a pensar que nosso som ficaria esquecido para sempre. Mas eu e meu irmão David guardávamos tudo o que já havíamos gravado. Ele sempre disse que o mundo iria querer conhecer nossa música. E estava certo”.

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Entrevista boa dos irmãos Hackney no site Suicide Girls (epa, nem sabia que lá tinha matéria de música) aqui.

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