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Angeli, Glauco, Laerte, Luiz Gê: Quadrinhos em Fúria

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Nunca cheguei a falar com Angeli, mas tentei. Em 2014 quando trabalhava no jornal O Dia, recebi da editora Sesi-SP o livro Humor paulistano — A experiência da Circo Editorial, que trazia a história da editora que havia lançado revistas como Circo, Geraldão e Chiclete Com Banana. Aproveitei para falar com todos os envolvidos (faltou, evidentemente, Glauco, que havia sido assassinado alguns anos antes) para uma matéria publicada pelo jornal. Angeli estava ocupado e preferiu não dar depoimento, mas foi um prazer poder falar um pouco do livro e da história dele – e mais ainda poder falar com Toninho Mendes, Luiz Gê e Laerte. 

Resolvi resgatar a matéria aqui para lembrar do trabalho de Angeli (que acaba de se afastar do dia a dia de cartunista por motivos de saúde) e para recordar também esse livro, que qualquer hora dessas vai parar lá no nosso podcast só pra apoiadorxs no Catarse, o Acervo Pop Fantasma. Além de textos contando a história da editora, o volume ainda traz HQs originais na íntegra, publicadas nas revistas da Circo.

Mais do que fazer muita gente passar a curtir quadrinhos – e mostrar a outros tantos que o assunto não servia só para crianças – a revistas da Circo ensinaram às pessoas que haviam alternativas. Que havia um povo subterrâneo a mostrar suas visões de mundo, que existiam mulheres liberadas e donas dos seus narizes, que era possível achar beleza e poesia onde menos se esperava e imaginava. Angeli, Laerte, Glauco e Luiz Gê ajudaram a moldar meu perfil profissional, felizmente (Ricardo Schott).

(foto lá de cima: reprodução Galeria Angeli)

QUADRINHOS EM FÚRIA
Livro conta a história da Circo, que publicou revistas como Chiclete com banana e personagens como Geraldão, Bob Cuspe e Rê Bordosa

Publicado por O Dia em 11 de maio de 2014

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Nos anos 80, as bancas de jornal foram tomadas por punks, figuras da noite, roqueiros, piratas do Tietê e outros personagens. E com direito a um número de vendas que até hoje assusta. “Revistas como Chiclete com banana e Circo chegavam até 30 mil exemplares!”, lembra Toninho Mendes, criador da Circo Editorial. A editora paulistana deu abrigo a desenhistas de quadrinhos como o trio Angeli-Laerte-Glauco (e a outros nomes, como Luiz Gê, Alcy, Mariza e os irmãos Chico e Paulo Caruso), lançou personagens como Bob Cuspe e Rê Bordosa (ambos de Angeli) e agora tem sua história relatada no livro Humor paulistano — A experiência da Circo Editorial (1984 – 1995) (Ed. Sesi-SP, 432 págs), organizado pelo próprio Toninho.

“A gente testou todos os limites do fim da ditadura”, lembra o editor. “A heroína da revista Chiclete com banana (Rê Bordosa) transava com um time de futebol inteiro, a gente fazia campanha do Bob Cuspe para prefeito. E a gozação era com a esquerda e com a direita”, conta Toninho, que inclui de brinde no livro seu “poema-revista” A confissão para o Tietê, quadrinizado por Jaca.

No terceiro número da revista Piratas do Tietê, em 1990, a editora exibiu os seios da mulher que aparece no logotipo do Leite Moça. “Chegaram a falar: ‘Ih, a Nestlé (que fabrica o leite condensado) vai mandar recolher’. Mas não aconteceu nada. Teve até um cara na Bahia que comprou toda a tiragem para vender mais caro, achando que iam recolher”, brinca.

Outras personagens liberadinhas da editora foram a cientista tarada Mara Tara (também de Angeli) e a funcionária pública Dona Marta (de Glauco). Ou as mulheres nuas de Fadas & bruxas, de Laerte. “Mostramos as mudanças no comportamento feminino na época”, conta o editor. “E também mostramos que o quadrinho podia fazer o que nenhuma outra arte fazia. Fiz uma história chamada Futboil com várias crianças e adolescentes correndo atrás de um balão. Era um folclore urbano que nunca tinha sido retratado nem em cinema nem na TV!”, espanta-se o ex-editor da Circo, Luiz Gê. Essa e outras histórias aparecem na íntegra no livro.

As drogas eram tema frequente da turma. Glauco ironizou o assunto em personagens como Geraldão e Doy Jorge, uma paródia do popstar Boy George, que havia sido preso com heroína. “Muita gente pensava que passávamos o dia nos drogando. Mas quem faz isso não faria o que fazíamos. A gente trabalhava o dia inteiro!”, conta Toninho. Em 1987, Angeli matou uma das personagens mais loucas da Chiclete, Rê Bordosa, numa edição especial que incluía até declarações de celebridades como Rita Lee e Ziraldo, indignadas com a atitude do desenhista. “Eu tinha tão pouca noção da importância da Rê que mandei fazer 100 mil revistas em vez de 300 mil. Se tivesse feito, venderia tudo na hora”, diverte-se Toninho.

Em 2010, Laerte abandonou seus personagens e passou a aparecer publicamente usando roupas femininas. “Na arte, Laerte corre por fora. Ele é outro tipo de artista e de pessoa, um cara especial”, conta Toninho. Glauco foi assassinado junto com o filho Raoni, também em 2010, em casa. “Acompanhava o trabalho espiritual dele (Glauco era adepto do Santo Daime) e cheguei a tomar o chá com Glauco. Nem sei dimensionar a falta dele”, lamenta o editor. “Pouco antes, voltamos a nos falar, depois de anos de estranhamento. Não era como antes, mas as nuvens se foram”, recorda Laerte.

Hoje, Toninho comanda a editora Peixe Grande. E mesmo com saudades da Circo, pensa em um dia se desfazer dos fotolitos das revistas que publicou. “Tem muita coisa que não está em bom estado. E tenho tudo impresso de qualquer jeito”, conta.

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