Cultura Pop
Amanda Lear soltando a voz
Amanda Lear é um personagem bastante misterioso. A ex-modelo, cantora, atriz e apresentadora, revelada ao público na capa do disco For your pleasure (1973), o segundo do Roxy Music, não revela a idade. Nem o local de nascimento. Tem quem diga que ela nasceu no Vietnã em 1939. Já outras pessoas dizem que foi em Hong Kong – e que o nascimento ocorreu lá pra perto de 1950. A própria Amanda não ajudou muito, falando em entrevistas que nasceu em Cingapura, ou na Transilvânia.
A vida bastante movimentada, o sucesso nos anos 1970 como cantora (e nos anos 1960 como modelo) e a amizade com ninguém menos que Salvador Dalí fez com que, contraditoriamente, ela lançasse um número considerável de autobiografias. No começo de sua fama, surgiu um boato forte de que ela era transgênero, e que o próprio Dalí tinha pago sua cirurgia de mudança de sexo – tudo negado por ela.
Em 1976 ela foi (bastante) imprensada por uma apresentadora de TV sobre esse assunto da suposta operação, porque havia surgido do nada uma certidão de nascimento dela com nome masculino.
Esse hit aí é Fabulous (Lover, lover me), lançado por Amanda em 1979 no auge da onda euro disco, e que comenta as histórias de que ela seria transexual.
Nos anos 1970, todo mundo pegava todo mundo. Amanda estava tendo um caso sem maiores consequências com Bryan Ferry quando posou para a capa de For your pleasure. Acabou tendo um rolo com o infiel David Bowie, então casado com Angela, e participou do especial 1980 floor, da NBC – sobre o qual você já leu no POP FANTASMA. Só que o atento Bowie não apenas encasquetou que Amanda tinha boa voz, como também resolveu incentivar a carreira da namorada.
Esse vídeo aí de baixo é a primeira tentativa de Amanda de virar cantora de verdade, com La bagarre, versão em francês (e em clima de disco music safada) de Trouble, sucesso de Elvis Presley. Não deu nada certo. Ou melhor, deu: um executivo da gravadora alemã Ariola ouviu a faixa e contratou Amanda.
A cidadã do mundo Amanda Lear acabou virando parte integrante da cena europeia de disco music – repleta de batidões sacolejantes, gravações kitsch e certo clima decadente herdado do glam rock, só que sob outro ponto de vista. Amanda foi parar na mão de um produtor chamado Anthony Monn, que orientou seu som para uma mescla de disco music, schlager (pop grudento da Alemanha e da Escandinávia, sobre o qual você também já leu aqui) e rock dançante. A voz dela, extremamente grave, lembrava uma Nico convertida à disco music, se é que isso era possível.
Pega aí o primeiro disco de Amanda, de 1977, I am a photograph (sim, o nome dava uma apelada básica para o passado dela como modelo). No Brasil, esse disco foi lançado como Tomorrow, pela RCA, com lista de músicas modificada.
Já isso aí é Follow me, primeiro single do segundo disco dela, Sweet revenge (1978). Um álbum conceitual sobre uma menina que vende sua alma ao diabo, mas passa a perna no coisa ruim e sai ganhando. A própria Amanda escreveu todas as letras e deu ideias pro design da capa, na qual ela aparece em tons sadomasoquistas, segurando um chicote enorme.
No começo da década de 1980, a disco music já estava virando história – a ponto do Village People ter resolvido virar banda punk-new wave (você também já leu isso no POP FANTASMA). Amanda tentou cair dentro da new wave, chegou a gravar um disco produzido por Trevor Horn (dos Buggles), mas a Ariola não gostou e mandou a cantora de volta para a Alemanha, para gravar mais músicas com Anthony Bonn. Em 1982 saiu seu último disco produzido por ele, uma cover tecnopop de Fever, de Otis Blackwell. Nos anos 1990, até Madonna gravou isso.
Em 1983, Amanda fez uma última tentativa de cair dentro da onda tecnopop com Tan tam, feito ao lado de músicos italianos. Era disco feito para cumprir contrato, mas a modelo decidiu fazer um aceno ao bem sucedido Sweet revenge, escrevendo um LP inteiro sobre magia negra, vudu e exorcismo. Não deu certo nem com reza forte, mas a música-título é bem legal. Depois desse disco, Amanda passaria um bom tempo trabalhando como apresentadora de TV.
Em 2000, Amanda sofreu uma tragédia pessoal enorme: sua casa no Sul da França, repleta de obras de Salvador Dali, pegou fogo. Seu marido e um amigo estavam na residência e morreram – Amanda estava viajando a trabalho. Ainda assim, juntou forças para fazer tentativas de voltar ao mundo do disco.
Em 2005 foi jurada da versão italiana de Dancing with the stars e gravou dois singles. Em 2006 fez uma exposição e, Nova York (sim, ela é pintora) com o nome irônico de Never mind the bollocks, here’s Amanda Lear. Também lançou discos de covers (de standards de jazz, ou de Elvis Presley) e em 2012 deu uma zoada no seu passado de diva disco com o álbum I don’t like disco.
Olha aí o clipe de La bête et la belle, o primeiro single (e que deu uma escandalizada geral por causa das cenas de mulher pelada e voyeurismo).
E olha aí Amanda no palco em 2017, cantando em francês, ainda com o mesmo vozeirão de sempre.