Cultura Pop
Aldir Blanc: “Tô vendendo uns livros, não quer comprar não?”
Em 2009, fui encarregado da missão nada árdua de passar uma tarde com Aldir Blanc e João Bosco no apartamento do Aldir, na Rua Garibaldi, na Tijuca, para matéria de capa da Revista Domingo do Jornal do Brasil.
Na ocasião, os parceiros, que estavam juntos em disco novamente depois de 22 anos separados (era Não vou pro céu, mas já não vivo no chão, que tinha parcerias dos dois) beberam uísque, lembraram dos velhos tempos e garantiram que a suposta briga entre eles nunca aconteceu.
Eles também se sacaneavam bastante, como velhos amigos: “Pô, Aldir, cada vez que venho aqui esta cadeira de musculação tem mais coisas em cima, já está parecendo uma instalação”, provocou João, referindo-se ao equipamento aparentemente sem uso no meio da sala, entre uma mesa de sinuca, um piano e livros, muitos livros. A tal mesa era cheia deles, dos livros. Quando parei para dar uma olhada, veio a oferta de Aldir. “Não quer comprar alguns, não? Tô vendendo”.
O sujeito de semblante fechado, registrado em tantas fotos, dá a errada impressão da figura simpática que era o parceiro do sempre sorridente João Bosco. “Lembra quando ouvíamos Beatles juntos?”, perguntou o anfitrião, emendando um agudo numa tentativa de reproduzir o refrão “I wanna hold your haaaaaand”. João ri, e acrescenta: “Nesta época eu me apresentava usando um figurino de Elvis Presley”, revelou.
Outros tempos, embora, João atestasse que as coisas não haviam mudado tanto assim: “Isso de nos chamarem de monstros sagrados da música não é com a gente. O que queremos é tocar violão e beber cerveja”.
Mais um gole no uísque. E a primeira parceria da dupla? “Foi em 1970, numa macarronada na casa da minha família, em Ponte Nova, Minas Gerais”, começou João. “Aquela coisa bem de domingo mesmo e, entre uma garfada e outra, mostrei os rascunhos das músicas Agnus sei, Bala com bala e Angra. Ao contrário do senso comum, nós nunca seguimos uma cartilha do tipo ‘um faz apenas a letra e o outro apenas a música’. Na maior parte dos casos, há uma troca, um coloca o dedo no que o outro fez”.
Aldir emendou: “Já sou velho para ficar mentindo, mas juro que fiz música até sonhando”, ressaltou ele, 63 anos na ocasião. “O que é uma vergonha, porque parece que eu não trabalho!”.
No memorável encontro eles garantiram que ainda havia muito material para emergir da dupla. “Ainda virá muita coisa boa dessa parceria, pode esperar”, garantiu Aldir Blanc. Mas ela não corre o risco de ser interrompida, como aconteceu há 22 anos? Aliás, o que
aconteceu há 22 anos? Aldir respondeu:
“Não vou ficar aqui desmentindo as versões sobre essa história. Não houve briga. Ela foi introjetada pelos outros dentro de nós. E mais: não é preciso que tais especulações estraguem uma tarde tão agradável. Toma seu uisquinho aí”.
Desse encontro não tenho fotos com a dupla, só um CD autografado pelo Aldir.