Cultura Pop

Afri-Cola: que p**** de comercial é esse?

Published

on

Tem muita criança que teria ficado traumatizada se tivesse visto um dos comerciais que o cineasta e maestro Charles Wilp dirigiu para a marca alemã de refrigerantes Afri-Cola. Em 1968, Wilp cuidou dos filmes e regeu a trilha sonora dos anúncios – perturbadora e experimental ao extremo.

Assistir um dos anúncios é tomar contato com um mundo REALMENTE bizarro, já que Wilp, um tanto obcecado por quebrar padrões e pelo universo espacial, criou filmes surreais em que apareciam freiras com expressão de êxtase, pessoas seminuas (ou até nuas mesmo, já que um dos anúncios exibiu um sujeito como veio ao mundo, logo na abertura), modelos levando Afri-Cola na veia como se fosse soro e pessoas com os rostos quase se desfazendo, por ilusão de ótica, em meio ao gelo. Acompanhando o pacote, um slogan que vendia a bebida como “super-sexy-mini-flower-pop-op-cola” e a embalava para a geração flower power, na época em que a Pepsi, associada a eventos de música desde sempre, brigava pela dianteira da preferência do público ligado ao mundo pop.

O paraíso de gelo e refrigerante criado por Wilp surgiu quando ele visitou o Marshall Space Center, no Arizona, e conheceu uma câmara onde foguetes eram inspecionados em temperatura zero – e teve a ideia de criar um ambiente parecido para os anúncios, só que com os dois pés na psicodelia e na revolução de costumes dos anos 1960. Primeiro: se um anúncio da Coca-Cola ou de qualquer outra marca de refrigerantes trazia um casal, ou um homem acompanhado de duas mulheres, os comerciais de Wilp ganhavam ares de suruba ou de festinha regada a LSD, com várias pessoas, mulheres com dois homens, modelos com ar hippie e coisas do estilo. E ainda inovavam por misturar pessoas de diferentes raças. Olha aí a Donna Summer, antes de fazer sucesso como cantora, levando Afri-Cola na veia.

Numa foto:

A modelo negra que aparece dançando nesse anúncio é a atriz, cantora e escritora Marsha Hunt, que teve um rolo com Mick Jagger e é mãe de uma das filhas dele.

Não apenas isso: os reclames tinham textos… bom, “revolucionários” é uma maneira de descrevê-los. Num dos anúncios, um locutor lia, como se fosse uma notícia da última hora: “Mulheres se tornam mulheres e são liberadas. O poder da mulher e a libertação dos homens. Casamento ou não? Não é mais uma questão”. É esse comercial aí.

Se você achou bem perturbadora a música de fundo dos comerciais da Afri-Cola, uma informação interessante é que ela fez tanto sucesso na Europa que foi lançada em disco. O autor da façanha foi o próprio Wilp, regendo uma orquestra de 48 instrumentos de cordas, dois oboés, duas harpas e quatro tímpanos.


E outra curiosidade: quem quase fez a música do comercial foi uma banda americana radicada na Alemanha, The Monks. Uns caras que tinham visual de monges, com cabeças raspadas, e faziam um som proto-punk. O primeiro disco, “Black monk time”, de 1966, não tinha feito sucesso algum e a banda, por causa de seu visual um tanto blasfemo, parecia ter o perfil de artistas que topariam fazer a trilha sonora de um comercial maluco daqueles – ainda mais levando em conta que uma das maiores atrações seria um grupo de freiras que pareciam estar viajando de ácido após tomar um refrigerante. Não deu certo porque a banda estava reticente quanto a fazer a música de um comercial e todos preferiam que Wilp os ajudassem na divulgação do seu trabalho – o próprio Wilp lembrou isso num documentário sobre o grupo, “The transatlantic feedback”, lançado em 2008. Olha um trecho do filme aí.

O projeto de oferecer “orgasmos cósmicos” via Afri-Cola funcionou – tem quem lembre da série de anúncios até hoje. Os integrantes da banda pós-punk Wire, por exemplo, citaram a série dirigida por Wilp nesta entrevista, quando lembraram que, no começo da carreira, pediram à sua gravadora que mandasse filmar propagandas de seus discos para a televisão.

Trending

Sair da versão mobile