Cultura Pop
A gravadora obscura de Brian Eno
No universo da música, é comum que gravadoras sejam criadas com a intenção de tornar pública a obra de um artista – ou vários artistas. Com o selo Obscure, criado por ninguém menos que Brian Eno, não foi muito diferente. Uma das intenções do compositor-cantor-produtor foi dar um jeito de colocar nas lojas a obra do baixista e produtor britânico Gavin Bryars, um dos luminares de uma cena de música experimental que Eno conhecia e frequentava. “Essa cena musical era minúscula. Havia cerca de 31 pessoas nele! Você ia a shows e era sempre o mesmo grupo de pessoas, todos nos conhecíamos”, contou Eno um papo com a Uncut, faz um tempo.
Ligado ao jazz e à música minimalista, Bryars foi escolhido para abrir a série de discos da Obscure, criada por Eno em 1975, e que durou apenas dez discos e três anos. A ideia de Brian, que conhecia também músicos experimentais novaiorquinos, foi tentar criar uma ponte entre o universo da música pop e o experimentalismo – afinal, se Andy Warhol havia feito mais ou menos o mesmo com o Velvet Underground, por que não ele? A ideia era que os discos tivessem um encarte detalhado como os de álbuns de música clássica (aliás havia um certo objetivo de que o material da gravadora fosse encarado como música clássica do século 20, de certa forma).
Gavin Bryars abriu os trabalhos do selo com o instigante The sinking of the Titanic, uma espécie de “obra aberta” sobre aquela velha história de que a orquestra do navio Titanic continuou tocando enquanto o navio afundava. As primeiras versões da peça datam de 1969, e tudo foi sendo modificado até 1972. O lado A do disco tinha essa faixa, o lado B tinha a bizarra Jesus’ blood never failed me yet, uma fantasia experimental sobre um morador de rua que cantava um tema gospel.
Gavin acabou sendo o pai espiritual da série de discos, e o músico que mais teve participações em álbuns lançados pela gravadora. Que também soltou discos de John Cage, Harold Budd, da delicada The Penguin Cafe Orchestra (um dos melhores álbuns do selo) e até um disco solo de Brian, Discreet music (1975). Este, um disco “de máquina” (com uma faixa que dura 30 minutos e ocupa todo o lado A, feita apenas com sintetizador e loops de fita) que muita gente já comparou ao Metal machine music de Lou Reed, lançado meses antes.
“Queria ser capaz de criar não apenas peças musicais, mas sistemas para criar peças musicais. Eu costumava chamá-los de máquinas, o que é engraçado por causa da música de Lou. Mas peguei a palavra máquina do compositor inglês John White”, contou Eno, que lançou um de seus discos mais complicados numa época em que ele era ainda uma estrela pop. Curiosamente, houve um Machine music lançado pelo selo: o álbum de John White e Gavin Bryars (1978), que trazia músicos tocando enquanto uma determinada máquina rolava.
Pra quem ficou curioso/curiosa, o site de música-arte-cinema experimentais Ubuweb tem todos os discos para ouvir.
- Obscure No. 1: The sinking of the Titanic – Gavin Bryars (1975)
- Obscure No. 2: Ensemble pieces – Christopher Hobbs, John Adams, Gavin Bryars (1975)
- Obscure No. 3: Discreet music – Brian Eno (1975)
- Obscure No. 4: New and rediscovered musical instruments – Max Eastley, David Toop (1975)
- Obscure No. 5: Voices and instruments – Jan Steele, John Cage (1976)
- Obscure No. 6: Decay music – Michael Nyman (1976)
- Obscure No. 7: Music from the Penguin Café – Members of the Penguin Café Orchestra (1976)
- Obscure No. 8: Machine music – John White, Gavin Bryars (1978)
- Obscure No. 9: Irma – ópera de Tom Phillips, música de Gavin Bryars, libretto de Fred Orton (1978)
- Obscure No. 10: The pavilion of dreams – Harold Budd (1978)
Via More Dark Than Shark e Boing Boing.
Mais Brian Eno no Pop Fantasma aqui.