4 discos
4 discos: The Specials
Vestir uma determinada roupa, adotar um certo visual ou um corte de cabelo, ou pertencer a determinado grupo. Bom, isso aí é direito de qualquer pessoa. Mas fazer disso um estilo de vida, uma atitude diante do mundo, ou um símbolo de enfrentamento… aí é pra poucos. E tem que ter estômago. Terry Hall, recém “ido” vocalista dos Specials, era um desses corajosos – e o mesmo se estende para toda a banda, que nos últimos tempos mantinha Terry ao lado do guitarrista e vocalista Lynval Golding e do baixista Horace Panther, todos da formação original.
O movimento 2 tone, do qual os Specials faziam parte – e que não apenas fundia punk e reggae/ska como pregava abertamente o enfrentamento ao racismo – surgia correndo por fora no punk inglês setentista. O Clash flertou com esse clima desde o comecinho e em London calling (1979), terceiro disco, apresentou suas armas como Rudie can’t fail, sobre o dia a dia dos rude boys, termo usado para designar os malandrões das ruas da Jamaica nos anos 1960, que voltou com a nova onda do ska. Mas a nova geração do ska virou um universo paralelo, provocador e audacioso, que incluía Specials, Madness, Bad Manners e outros nomões.
Terry, que passou a infância e adolescência vivendo a vida dura da classe pobre da Inglaterra, e desde cedo ficou atento aos problemas sociais de seu país, era o cara certo para tornar-se um dos notáveis dessa fusão. Produzido por Elvis Costello, The Specials, o primeiro disco, saiu em 1979, primeiro ano de Margareth Thatcher como primeira-ministra da Inglaterra, época de tensões raciais, aumento de impostos, desemprego e crise geral. Era a época correta para enxergar o país como uma selva de concreto, com poucas oportunidades e muita opressão a pobres, negros e imigrantes.
Os Specials existem desde o anos 1970, mas são uma banda bastante variável: Terry não esteve em todas as formações, o grupo de tempos em tempos encerrava atividades e retornava sob novas nomenclaturas. O vocalista já se lançou à frente de projetos interessantes como o Fun Boy Three, banda new wave que reunia três debandados dos Specials: Hall, Neville Staple e Lynval Golding. E fez parte da dupla de synthpop Vegas – formada com Dave Stewart, do Eurythmics. Mas quanto aos Specials, abaixo reunimos quatro álbuns que servem de introdução para conhecer a música e história do grupo.
“THE SINGLES COLLECTION” (2 Tone/Chrysalis, 1991). Incomodado (a) por encontrar logo uma coletânea como primeiro disco dos quatro álbuns? Lançada quando a banda nem sequer existia mais (voltaria em 1993 como Specials Mk 2, com modificações na formação), essa compilação serve como uma excelente introdução à história de um grupo histórico, pertencente a um movimento revolucionário. Inclui músicas da fase 1982-1984, quando após mudanças na formação, o grupo decidiu informar aos fãs que algumas coisas haviam mudado e adotou o nome Special AKA.
“THE SPECIALS” (2 Tone, 1979). Lançados pelo selo 2 Tone Records (fundado justamente pelo tecladista dos Specials, Jerry Dammers), e produzidos por Elvis Costello, os Specials estreavam unindo canções autorais a clássicos do ska. Entre eles, A message to you Rudy, do produtor e compositor de reggae e ska Dandy Livingstone, com letra recomendando a um rude boy que se endireitasse para não acabar no xadrez. E You’re wondering now, do jamaicano Coxsonne Dodd, gravado por uma porrada de gente (até o Ultraje A Rigor gravou essa).
Nas letras, crônicas do dia a dia urbano, em Nite klub (com Chrissie Hynde, dos Pretenders, fazendo vocais), Do the dog, Too much, too young, It’s up to you. O disco desagradou alguns críticos, especialmente (e justamente) por causa das letras, consideradas machistas demais em alguns casos (o disco tem Little bitch, do tecladista Dammers, o que já diz tudo).
“IN THE STUDIO” (Special AKA, 2 Tone, 1984). Deu problema (aliás vários problemas) nos Specials após o primeiro disco. Crises internas rolaram, Jerry Dammers começou a tomar a liderança do grupo, e More specials (1980), o segundo álbum, virou uma briga musicada, com Dammers produzindo e “tomando conta”, e os integrantes tentando se rebelar musicalmente. In the studio foi o terceiro disco da banda e o primeiro sob outra nomenclatura, Special AKA, quando a formação já tinha mudado bastante. Dammers dividiu a produção com Elvis Costello e Dick Cuthers, e o repertório é formado por 100% de canções autorais (quatro delas feitas apenas por Dammers).
Terry já havia saído e Rhoda Dakar, cantora que participou do segundo álbum, virou integrante oficial. No disco, destaque para músicas como Free Nelson Mandela, Break down the door, What I love most about you is your girlfriend e, em especial, o reggae Racist friend, que ensina o que você deve fazer com seu amigo racista. “Seja seu melhor amigo/Ou qualquer outro/É seu marido ou seu pai ou sua mãe?/Diga a eles para mudarem de opinião/Ou mudem de amigos”.
“PROTEST SONGS 1924-2012” (Island, 2021). Após um retorno com formação modificada nos anos 1990 – seguido de mais um hiato – os Specials retornaram no século 21 com os originais Lynval Golding, Terry Hall e Horace Panter, além de vários convidados. O último disco da banda antes de Terry sair de cena trazia releituras de hinos de protesto como Everybody knows (Leonard Cohen), Black, brown and white (do cantor de blues Big Bill Broonzy), Fuck all the perfect people (de Chip Taylor, autor de Wild thing, aquela canção gravada pelos Troggs e por Jimi Hendrix) e Get up, stand up (Bob Marley, em versão balada acústica).
Não são versões estilo ska – boa parte do disco trafega pelo blues, pelo country e pelo rock mesmo. Na lista de faixas, tem também a polêmica Listening wind, dos Talking Heads, sobre terrorismo nos Estados Unidos. Além do spiritual tradicional (e belíssimo) Ain’t gonna let nobody turn me ‘round, cuja letra costuma ser adaptada às mais variadas lutas civis.