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4 discos: Maverick Records

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Dizem por aí que o fim de qualquer empreitada já está no começo dela. Talvez Madonna tivesse calculado mal demais ou bem demais quando, em 1992, montou sua empresa multimídia, a Maverick. Uma gravadora + editora + empresa de vídeo que começou transformando polêmica em arte (ou arte em polêmica, você escolhe) com o livro Sex e o disco Erotica. Mas prosseguiu numa linha surpreendente em se tratando da maior estrela pop de todos os tempos: Madonna aparentemente não aporrinhava o saco de seus artistas pedindo por discos “mais comerciais”, confiava no seu tino pessoal e contratava gente bem diferente do estilo musical dela.

Por mais que dê até pra enxergar semelhanças entre ela e Alanis Morissette (a própria Madonna dizia que “ela lembra a mim mesma quando eu era mais jovem”), o clássico Jagged little pill gravitava entre o country, o rock e o pós-grunge – nada a ver com o que Madonna já havia feito ou faria. O hoje esquecido Candlebox, uma banda de Seattle, vendeu horrores ao ser lançado pela gravadora. A Maverick também contratou o progressivo baixos-teores do Muse, os punks veteranos do Bad Brains e outros nomes que muita gente talvez nem lembre que foram associados ao selo. Não custa lembrar que Madonna era uma presença bem discreta no que dizia respeito à gravadora, e o presidente era Guy Oseary, um cara que havia começado na empresa aos 19 anos em 1992 e foi galgando cargos.

A Maverick foi fazendo água desde o fim dos anos 1990, perdeu-se em meio a processos e brigas com a Warner e enfim, fechou as portas em 2009 após uma bruta encheção de saco (e batalhas judiciais) para todos os envolvidos. Alanis Morrissette já havia deixado a gravadora pouco antes, rumo a um rolê por vários selos menores. Algumas bandas foram absorvidas pela Warner. Madonna ficou até 2010 na Warner e transferiu-se para a Interscope. Depois voltou para a Warner (para onde levou o catálogo da Interscope) e tá lá até hoje.

E pega aí quatro discos da Maverick. Um deles você conhece. Os outros talvez também. Ou não.

ALANIS MORISSETTE – “JAGGED LITTLE PILL” (Maverick, 1995). Você sempre descobre alguma coisa diferente quando escuta o terceiro disco de Alanis (que na real é o primeiro pra muita gente). O lay out localiza-se entre capas de discos bittersweet dos anos 1970 e de trilhas de filme. O álbum praticamente recriou a noção de “rock alternativo” norte-americano ao unir country, rock e música pop. Inspirado pelo clássico Little earthquakes, de Tori Amos, reanimou as gravadoras e as rádios a investirem em rock confessional cantado e composto por mulheres. Foi um dos estouros de vendagem dos anos 1990, uma década em que parecia haver um The dark side of the moon para cada turma: Jagged foi 16 vezes disco de platina e, quando todo mundo já esperava um segundo disco da cantora, em 1996, ainda rendia singles (Head over feet e All I really want saíram no segundo semestre de 1996).

Apresentando treze faixas surgidas do encontro da hábil Alanis com um ex-parceiro de ninguém menos que Michael Jackson (Glen Ballard), Jagged encheu os cofres da Maverick e, por ter sido recusado por várias gravadoras antes do contrato, ajudou a estabelecer a fama da empresa como salvadora de projetos. A angústia de letras como You learn, You oughta know, Head over feet aparece amansada pelo tom tranquilo e radiofônico dos arranjos e das melodias (coisa que Alanis não faria em vários outros momentos). Mas a própria cantora chegou a admitir que todo aquele material vinha “de um lugar muito sombrio”.

CANDLEBOX – “CANDLEBOX” (Maverick, 1993). Quando Kurt Cobain avisou que Madonna iria se aproveitar do grunge em sua nova gravadora, não estava mentindo: o primeiro sucesso grande da Maverick foi o disco de estreia de uma banda de Seattle. O Candlebox nasceu em 1990, estabeleceu-se como uma banda “de palco” lá pra 1992, e destacava-se pela (vá lá) aparência e estilo de vida – o cantor Kevin Martin tinha objetivos quase burgueses se comparados ao de vários colegas, havia trabalhado em uma sapataria antes da fama e andava sempre arrumadinho. O primeiro disco estourou You, Far behind e outras músicas. Anos depois, as mudanças na Maverick acabaram fazendo com que a banda se sentisse presa e sem ação (“nós estávamos infelizes, eles estavam infelizes”, contou Kevin).

BAD BRAINS – “GOD OF LOVE” (Maverick, 1995). A veterana banda punk norte-americana vinha surfando uma onda boa na primeira metade dos anos 1990, com discos lançados pela grandalhona Epic, clipes na MTV, shows em festivais e reconhecimento de toda uma nova geração de músicos. Vinham também aumentando a intensidade dos funk-metals em seus discos. Contratados pela Maverick, retornaram com a formação original e com mais influência de reggae – o que já dava para ver a partir da capa, coloridaça e surfística. A faixa-título passou bastante na MTV, inclusive no Brasil. O sonho acabou rápido: o vocalista HR se meteu em várias encrencas, o grupo perdeu uma data no Madison Square Garden (na qual abriria para os Beastie Boys) e se separou por dois anos.

ME’SHELL NGEDEOCELLO – “PLANTATION LULLABIES” (Maverick, 1993). Logo assim que o disco Erotica foi lançado, o produtor Andre Betts apresentou Madonna a uma cantora e baixista negra, de cabelos curtos, nascida na Alemanha, mas radicada nos Estados Unidos. Com a Maverick ainda engatinhando e procurando contratados, Madonna decidiu contratar Me’Shell e levou-a para o estúdio.

A cantora, produzida por Betts, o ex-Scritti Politti David Gamson, o compositor de jingles Bob Power e por si própria, saiu de lá com o primeiro disco. Um manifesto afroamericano que, mesmo não tendo sido campeão de vendas, ajudou a redefinir o soul dos anos 1990. “Minhas músicas são a calmaria antes da revolução dos negros”, chegou a afirmar ela, que no disco misturou jazz, soul, hip hop, antirracismo, temas LGBTQIA+ e tom lascivo à maneira de Madonna – em faixas como Dred loc, I’m diggin’ you (Like and old soul record) e If that’s your boyfriend (He wasn’t last night).

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