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4 discos: Live Aid

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De volta à telinha do computador neste dia 28 pelo YouTube – e pela primeira vez na íntegra, em uma experiência de 12 horas – o festival Live Aid foi um marco nos eventos musicais e beneficentes. Realizado simultaneamente em Londres e nos Estados Unidos em 13 de julho de 1985, com direito a concertos paralelos em outros países e a uma audiência televisiva monstruosa de tão imensa, conseguiu fazer com que o tema “fome na Etiópia” saísse da editoria de política internacional para as pautas de cultura, e dominasse os bate-papos diários.

Na época do festival, o país africano estava arrasado após vários anos de guerra civil e abusos de bancos internacionais. Em 1984, Geldof assistiu a uma reportagem na BBC sobre o assunto, ligou para o amigo Midge Ure (Ultravox) e juntos, compuseram uma canção chamada Do they know it’s christmas, gravada com um ensemble de vários artistas pop (o grupo Band Aid) e lançada em single. O compactinho deu certo a ponto de liderar as paradas britânicas, e de fazer com que os dois artistas decidissem organizar o tal festival. Que de fato mudou a história dos grandes eventos e arrecadou um enorme montante de grana (150 milhões de libras, calculou-se depois).

Quem acompanha o mundo pop desde os anos 1980 já leu milhares de piadas escarnecedoras a respeito do festival, ou até da carreira de Bob Geldof. O cantor não estava em uma de suas melhores fases – sua banda Boomtown Rats havia lançado em 1984 In the long grass, último disco de estúdio, não lá muito bem sucedido. Havia expectativas por uma carreira solo, e Geldof, o Pink da versão cinematográfica de The Wall, do Pink Floyd (1982), era um sujeito carismático, um ídolo do rock-classe-operária, que soltava o verbo em entrevistas e não tinha medo de meter a mão em vespeiro. Passou para a história a lorota de que, em pleno Live Aid, pedindo doações para o evento, ele virou-se para a câmera e soltou algo como “nos dê a porra do seu dinheiro” (Geldof nega que tenha feito isso, mas falou vários nomes feios ao vivo, sem constrangimento).

Anos depois, Geldof foi criticado pelos métodos meio malandros que usou para convencer alguns artistas a comparecer no festival (soltava um “olha, fulano vai, você poderia ir, hein?”, sem que o tal fulano ainda tivesse assinado – David Bowie foi vítima disso). Histórias de uso da grana do evento em compras de armas também rolaram por alguns anos, e foram desmentidas. A sensação de que a música é capaz de mover montanhas foi o maior legado do festival: Geldof é até hoje envolvido com a situação política da África, e roqueiros-ativistas como Bono, do U2, tiveram verdadeiras aulas de cidadania na época do Live Aid. E abaixo a gente separou quatro discos para entrar no clima do maior show da Terra em 1985.

“DO THEY KNOW IT’S CHRISTMAS” (Band-Aid, Phonogram, 1984). O compactinho de Bob Geldof e Midge Ure foi feito às pressas para o Natal, completado rapidamente graças à tecnologia (samples de bateria de The hurting, disco de estreia do Tears For Fears, foram parar na gravação) e realizado com um timaço de músicos e cantores que Bob procurou pessoalmente para pedir colaborações. Uma bela e emocionante canção, que vendeu horrores e foi bastante criticada. Um dos ranços mais comuns aponta que a Etiópia, uma das mais antigas nações cristãs do mundo, não precisaria ser lembrada da existência do Natal por um bando de músicos britânicos. Mas ouça o disco e veja o clipe.

“NERVOUS NIGHT” (The Hooters, Columbia, 1985). Bill Graham, o promotor de shows que enfiou Santana no Festival de Woodstock, teria tentado (diz um indignado Geldof) fazer o mesmo no Live Aid com essa banda new wave da Filadélfia, os Hooters. Pôs os sujeitos para abrir a parte americana do evento, alegando (mais uma vez segundo Geldof) que se tratava de uma banda local popularíssima. Nervous night era o segundo LP e o primeiro por uma gravadora grande. A banda não saiu do palco com fama de campeã do evento, mas passou a excursionar bastante e (se você não sabe) existe até hoje.

“LIVE AID – BOX SET” (bootleg, 1985). Dizem por aí (nunca vi de perto) que existe uma caixa de 12 LPs (!), pirataça, que reúne boa parte do que aconteceu no Wembley Stadium e no JFK. O Discogs lista sessenta (!!) possuidores desse box set, que foi lançado por bucaneiros da Indonésia e deve custar os olhos da cara – caso você encontre uma caixa dessas por aí. Os trabalhos abrem com o Status Quo tocando Rockin’ all over the world e encerram-se com Lionel Richie, Harry Belafonte, Sheena Easton, Cher, Dionne Warwick soltando a voz em We are the world.

“HEAR’N AID” (Hear’N’Aid, Mercury, 1986). O heavy metal e o hard rock, quem diria, têm também o seu Band Aid. Inspirado evidentemente no Band Aid de Bob Geldof, o Hear’n Aid foi criado por Ronnie James Dio, Jimmy Bain e Vivian Campbell (todos da banda Dio) também com a ideia de arrecadar fundos para combater a fome na África. A música principal, Stars, reuniu músicos do Dio, Kiss, Blue Öyster Cult, Queensryche, Dokken, Night Ranger e até mesmo o direitão Ted Nugent. No restante do álbum, músicas de Rush, Motörhead, Kiss e outras bandas em versões ao vivo, além de uma gravação manjada de Jimi Hendrix (You can see me). Deu certo mais ou menos: o projeto não gerou festival algum e, por causa de direitos autorais, o combo LP + single + clipe, gravado em 1985, só saiu um ano depois.

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