Cultura Pop
“1969: The Velvet Underground Live with Lou Reed”: VU para iniciantes
Reouvi por acaso a versão de Femme fatale, com Lou Reed nos vocais, que está no disco 1969: The Velvet Underground Live with Lou Reed. E lembrei que esse disco duplo, lançado em 1974 de forma quase pirata pela Mercury, é uma boa introdução ao som da banda para quem conhece bem pouco ou nada dela. Lógico, The Velvet Underground and Nico, de 1967, sempre vai ser “o” grande disco do Velvet, e Loaded, de 1970, sempre vai ser outro disco querido de neófitos do grupo.
Apesar do começo do Velvet, com Nico nos vocais, ser muito cultuado, a fase 1969 da banda é a que mais rende assunto. Apesar de estar excursionando com afinco pelos EUA e Canadá, o cenário era de incertezas para o Velvet Underground. A banda tinha três discos malsucedidos nas costas e a MGM, que controlava o selo Verve, não iria ficar aturando o grupo de Lou Reed, Sterling Morrison, Doug Yule e Moe Tucker por mais tempo que o necessário. A turma foi mandada embora do selo, mas sempre pairaram no ar as notícias sobre um disco de estúdio “perdido”, deixado pelo VU nos arquivos da MGM.
Na década de 1980, a PolyGram, ao relançar o catálogo inicial da banda, localizou essas músicas em seu acervo, completou com out-takes da época em que John Cale ainda estava na banda, e lançou em dois álbuns: V.U., de 1985, e Another view, de 1986. Na real, não havia muita concordância nem mesmo entre os próprios integrantes sobre se aquelas sessões de 1969 representavam mesmo um disco, ou se eram várias músicas separadas. Moe Tucker declarou que “não sabia se aquilo era mesmo um disco ou se estávamos querendo sair da gravadora”. Lou, por sua vez, disse a amigos como o guitarrista Robert Quine que a banda estava, sim, fazendo um quarto LP pela MGM.
Pelo sim, pelo não, em 2017, a Verve/Universal lançou uma caixa comemorativa de 50 anos da banda com todo o material publicado originalmente em V.U. e Another view como um só disco, duplo, chamado The Velvet Underground: 1969. Falamos disso tem um tempinho.
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Já o disco ao vivo de 1969 foi lançado em setembro de 1974, um pouco porque depois de 1970 houve mais interesse pelo catálogo da banda, um pouco porque Lou Reed havia começado a chamar atenção com sua carreira solo e havia até mesmo lançado um disco ao vivo em fevereiro daquele mesmo ano (Rock’n roll animal). 1969: The Velvet Underground Live with Lou Reed surgiu em parte da pirataria consentida pela banda, que era feita por fãs. Em 19 de outubro de 1969, a banda tocou no Clube End of Cole Ave. e um fã apareceu por lá com equipamento de gravação, e gravou todo o show. Em 26 e 27 de novembro, fizeram dois shows no The Matrix, em San Francisco, e dessa vez a própria banda registrou a apresentação com equipamento da casa.
As fitas ficaram mofando por um tempo e, até 1974, nunca haviam sido lançadas houvesse ou não interesse da banda de colocar o material na rua. Até que o empresário espertinho do Velvet, Steve Sesnick, resolveu lançar tudo. Isso segundo Doug Yule. “Meu entendimento de como o lançamento aconteceu é que Sesnick tinha as fitas e estava tentando vendê-las para conseguir dinheiro, alegando que ele possuía o nome e os direitos do álbum”, recordou aqui. O empresário teria feito contato com integrantes do grupo, pôs a Mercury na jogada e assim foi – muito embora a Mercury tivesse que enfrentar o Matrix nos tribunais porque a casa entendia que o disco havia sido lançado sem sua permissão.
O repertório de 1969 é excelente pra entender como Lou foi caminhando da posição de integrante do Velvet para a de artista solo. Duas canções, Lisa says e Ocean, apareceram em seu primeiro disco solo, e já faziam parte do repertório do Velvet. Lou fez questão de soltar a voz na versão de Femme fatale – embora tenha sobrado para Doug Yule cantar I’ll be your mirror. O som do disco, em especial nas gravações de Dallas, mostram um clima bem informal – com direito a ruídos e risadas da plateia.
White light/white heat, gravada no The Matrix, transformou-se em uma canção experimental de mais de oito minutos. Há um tempinho, Brian Eno (o próprio) extraiu o áudio dessa faixa e fez um clipe pirata, com imagens do Velvet (ainda com Nico) na Factory, o clube de Andy Warhol.
Agora, para ter uma experiência mais interessante do Velvet ao vivo em 1969, é só dar uma checada no box set The complete Matrix tapes, com toda a gravação do show do grupo na casa – parte dessas gravações geraram o duplo ao vivo lançado em 1974. Uma nota de rodapé interessante é que o Velvet não podia estar mais deslocado naquela casa de shows: o Matrix era uma espécie de meca do San Francisco sound e da hippongada local, e tinha como um dos sócios ninguém menos que Marty Balin, do Jefferson Airplane. O Matriz fechou em 1972, reabriu em 1973, passou de mão em mão e em 2018 passou a se chamar White Rabbit (nome de música do Jefferson Airplane, por sinal).
Quando gravou ao vivo no Matrix, o Velvet estava desfrutando da recém-adquirida aparelhagem de som profissional da casa, comprada com o dinheiro da venda de fitas de shows da banda Great Society (primeiro grupo de Grace Slick, do Jefferson) para a Columbia. Daí a ciumeira do Matrix com as fitas do Velvet, já que o modelo de negócio dos donos lá por 1969 incluía gravar shows e negociar com selos e bandas.