Cultura Pop
Músicas do 11 de setembro: descubra agora
Em crítica musical, volta e meia aparece algum crítico espertinho usando o termo “11 de setembro” para definir aquele momento em que a carreira de determinado artista chegou na baixa total. Ou quando é algum momento de ruína em que, a partir daí, nada mais será a mesma coisa.
O período mais recente da carreira de Britney Spears, em que a cantora passa por uma montanha de problemas pessoais, pode ser considerado um 11 de setembro. A época em que dois dos Titãs foram presos com heroína e a vida útil do disco Televisão (1985) chegou ao fim, foi um belo 11 de setembro para a banda – retrocedido após o disco Cabeça dinossauro (1986). Já a famosa partida Brasil 1–7 Alemanha, na Copa de 2014, foi mais do que um 11 de setembro para a seleção brasileira. Aqui no Brasil, você pode substituir o “11 de setembro” por “7 a 1” que, para bom entendedor, dá quase no mesmo.
Já o 11 de setembro de verdade aconteceu em 2001, e representou o ataque às torres gêmeas do complexo empresarial do World Trade Center, em Nova York. A tragédia completa 20 anos em poucos dias e você vai ter chances de sobra para ler a respeito disso em vários jornais (assim esperamos). Por enquanto, vale dizer que ele afetou bastante o mundo da música: inspirou canções, impediu shows, fez com que artistas modificassem clipes que estavam prontos para serem lançados, etc. Pega aí alguns exemplos.
A ZICA DO EXPLOSIONS IN THE SKY. Uma das bandas mais afetadas com o 11 de setembro foi esse grupo de post-rock do Texas, de nome significativo. Uma semana antes do ataque, dia 4 de setembro, o grupo lançou seu segundo disco, que trazia um anjo iluminado por um avião na capa, e cujo título era (pode acreditar) Those who tell the truth shall die, those who tell the truth shall live forever (nada menos que “os que falam a verdade devem morrer, os que falam a verdade devem viver para sempre”).
Por causa disso, o grupo teve que dividir seu tempo entre trabalhar o álbum e gastar saliva explicando que não tinham nada a ver com os ataques (!), e que o conceito do disco já estava pronto há um tempão. Para piorar um pouco, em plena turnê, o baixista Michael James decidiu pegar um avião portando uma guitarra com o adesivo “este avião cairá amanhã”. Foi detido na hora.
O ROLÊ DOS STROKES. O primeiro disco dos Strokes, Is this it, clássico indiscutível daqueles tempos, já estava preparadíssimo para lançamento em 25 de setembro nos EUA quando a banda achou que deveria tirar New York City cops da edição americana. Os Strokes viram a ação dos policiais no 11 de setembro e acharam que não pegaria bem lançar uma canção que falava que os tiras da capital “não são muito espertos”. When it started saiu no lugar.
O IMPACTO NO INDIE ROCK. Além dos Strokes, outras bandas da época sentiram o drama do 11 de setembro. Só que o transformaram em música. O Arcade Fire, no disco Neon bible (2007), apareceu com Antichrist television blues. O … And You Will Know Us By The Trail Of Dead (aliás que nome!) fez em 2005 Words apart, que trazia a infame frase “como eles riem enquanto jogamos as cinzas das Torres Gêmeas” na letra. Em 2007, o Bloc Party lançou Hunting for witches, cuja letra falava sobre a reação da mídia aos ataques. “E sobre como a mídia usa o medo para controlar as pessoas”, disse o cantor Kele Orekeke.
A DEPRÊ DO BIBLECODESUNDAY. Uma das canções mais mortalmente tristes a respeito do 11 de setembro é The boys of Queens, da banda londrina BibleCodeSunday, que costuma ser definida como folk ou “rock celta”. A letra, narrada em primeira pessoa, conta os dramas de um soldado que vem de uma família irlandesa da região do Queens, e que perdeu praticamente todos os parentes do sexo masculino no ataque – justamente porque sua família é cheia de bombeiros.
A ZONA DO STAR FUCKING HIPPIES. Banda anarco-punk de Nova York – e considerada um supergrupo do punk por incluir integrantes de outras bandas notáveis – o Star Fucking Hippies decidiu mexer em vespeiro com 9/11 was (An inside joke), (“o onze de setembro era uma piada interna”), lançada no disco Until we’re dead (2008, selo Fat Wreck Chords), e que esspalhava brasa para o então prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, em versos como “Giuliani fez o conserto/auxiliado pela máfia/pela força aérea e pela CIA”.
A GRITARIA DOS PROTESTOS. Não foram só os Star Fucking Hippies que decidiram ir além do que a mídia noticiava e protestar (em alto e bom som) no onze de setembro. O Minstry (veja lá quem!) pregou que “senhores, os convocamos para informá-los de que vamos derrubar o governo dos Estados Unidos/vocês ainda acham que o combustível de aviação derrubou o World Trade Center?” em Lies lies lies, que chegou a ser indicada para o Grammy na categoria “melhor performance de metal”. O rapper americano-indiano Heems lançou em 2015, uns bons anos depois do atentado, Flag shopping, sobre o racismo intensificado pelo onze de setembro.
O TRAMPO DE BRUCE SPRINGSTEEN. Andando de carro na rua, depois dos ataques, Bruce Springsteen teve a surpresa de ver um cidadão no carro ao lado abaixar a janela do veículo e gritar para ele: “Precisamos de você agora!”. Nasceu assim The rising, disco lançado em 30 de julho de 2002, cujo tema era o 11 de setembro. O repertório tinha canções como My city of ruins, Lonesome day, Mary’s place, Waitin’ on a sunny day e misturava canções novas com outras feitas antes de 11 de setembro de 2001. Foi direto para o 1º lugar do paradão da Billboard.
A ENCRENCA DAS RÁDIOS. Boa parte das rádios americanas parou de transmitir música para, 24 horas por dia, dar informações sobre onde conseguir ajuda, depoimentos de vítimas e outros assuntos afins. O Clear Channel, que comandava várias rádios no país (e hoje atende pelo nome de iHeart Media) fez um index de canções a serem evitadas para não darem gatilhos. A lista ia de Highway to hell, do AC/DC, a Aeroplane, do Red Hot Chili Peppers.
A ENCRENCA DOS CLIPES. No dia 11 de setembro, a banda alemã Rammstein iria estrear um clipe novo, Ich will. Estaria tudo bem se… o clipe, que mostrava os integrantes do grupo assaltando um banco, não trouxesse imagens de um bandido metido a homem-bomba. O vídeo foi lançado mas a continuidade dele na telinha foi abortada por motivos óbvios. Outro vídeo que sofreu por causa dos ataques foi o de Stay together for the kids, do Blink-182. A banda e o diretor Samuel Bayer tinham colocado uma destruição de prédio no vídeo e regravaram cenas para que tudo não ficasse parecido demais com o ataque às torres.
CONFUSÃO NA MÚSICA CLÁSSICA. Sabia que há uma série de composições de autores eruditos modernos que se inspiraram nos ataques às torres gêmeas? O minimalista Steve Reich fez WTC 9/11, John Corigliano fez One sweet morning no aniversário de dez anos dos ataques, o compositor e maestro John Adams fez On the transmigration of souls. Já o americano Michael Gordon fez The sad park para o Kronos Quartet tocar, usando gravações de comentários de colegas de escola de seu filho gravadas num sampler.
SUCESSO INESPERADO. Depois da tragédia, a cantora americana Kristy Jackson lançou um single, Little did she know (She’d kissed a hero). A canção, que falava sobre a tragédia do ponto de vista de um ocupante do voo 93, sequestrado por terroristas, fez tanto sucesso nas rádios americanas que, anos depois, Kristy se animou a compilar num livro os mais de 5 mil e-mails que recebeu por conta da música. O livro tem o mesmo nome da canção, complementado pelo subtítulo: Histórias em primeira pessoa sobre o 11 de setembro, e a canção que inspirou todas elas. Segundo um site da cantora que está fora do ar (mas está no Archive.org), ela rejeitou um contrato com uma gravadora grande e preferiu continuar independente, e não cobrava quando apresentava a música em eventos.
TEVE MICHAEL NA PARADA. Michael Jackson, no mesmo ano em que lançou seu último disco, Invincible, foi convidado a fazer uma canção em benefício das famílias dos sobreviventes da tragédia. Acabou fazendo um recapeamento numa canção inédita e antiga, What more can I give, feita nos anos 1990, após uma reunião com o Presidente da África do Sul Nelson Mandela. A música foi quase “não-lançada”: rolou um clipe com um time de artistas, a canção ficou disponível para download, mas o single, perdido em meio a brigas de Michael com a Sony, não foi lançado. Detalhe: a capa do CD físico seria feita por Romero Britto.
CANCELADO!! Numa época em que a palavra servia só para indicar eventos que não aconteceriam, rolaram vários cancelamentos por causa do ataque. O broadcasting do Grammy Latino foi suspenso, o primeiro show pela internet de Sting (transmitido da Itália) foi resumido a uma só canção (sintomaticamente Fragile) e o Blink-182, que iria começar uma turnê pela Europa para divulgar o disco Take off your pants and jackets, desistiu do giro.
DISCOS DE ONZE DE SETEMBRO. Quem lançou disco nessa data, claro, corria o risco real de passar em branco. Detalhe que muita gente lançou disco nesse dia. Bob Dylan soltou Love and theft, Mariah Carey mandou para as lojas a trilha do filme Glitter – O brilho de uma estrela, Ben Folds soltou o (excelente) disco solo Rockin’ the suburbs e (pasmem) o Slayer desovou o significativo God hates us all. Já Silver side up, um dos maiores sucessos do Nickelback (o do hit How you remind me), saiu também nesse mesmo dia.
TAMBÉM SAÍRAM EM ONZE DE SETEMBRO. The blueprint, sexto disco de Jay-Z, saiu em em 11 de setembro de 2001 (por sinal revelando o trabalho de um produtor chamado Kanye West). The glow pt.2, da banda de indie folk The Microphones, também. Uncivilization, do Biohazard, idem. O prêmio “disco que muita gente não sabe nem que existe” vai para Tomcats screaming outside, único disco solo do líder do Tears For Fears, Roland Orzabal, cuja edição americana chegou às lojas dos EUA neste dia.
O 11 DE SETEMBRO DE WILLIAM BASINSKI. O compositor experimental americano William Basinski encontrou em agosto de 2001 várias fitas antigas que havia guardado, algumas delas se desfazendo completamente. Ficava ouvindo os K7s com amigos. Teve a ideia de gravar loops com as fitas se desintegrando, o que começou a fazer.
Até que em 11 de setembro, William viu da janela do seu apartamento a derrubada das torres gêmeas – justamente no dia em que ele teria que ir ao World Trade Center fazer uma entrevista de emprego (!). Ele levou o gravador com as fitas para o terraço, fez vídeos e fotos do ataque e, usando as fitas, fez a série de discos The disintegration loops, quatro álbuns lançados após 2002. As imagens que ele clicou foram parar nas capas dos álbuns. A foto lá de cima é da capa do primeiro disco da série.
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