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Crítica

Ouvimos: Public Image Ltd, “End of world”

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Ouvimos: Public Image Ltd, "End of world"
  • End of world é o décimo-primeiro disco de estúdio do Public Image Ltd, ou PiL, banda eternamente liderada por John Lydon à custa de muitas mudanças de formação e pula-pula de gravadora em gravadora. É o primeiro disco da banda após a morte da esposa de Lydon, Nora Forster. O single Hawaii é uma homenagem a ela.
  • É o terceiro álbum da banda pelo selo PiL Official, que existe desde 2011. O grupo havia tido um hiato a partir de 1992, voltou em 2009, e desde essa época o PiL é: John Lydon (voz, vários instrumentos), Bruce Smith (bateria), Lu Edmonds (guitarra, teclado, sax) e Scott Firth (baixo, teclados).
  • O PiL foi assunto do nosso podcast Pop Fantasma Documento.

Dizem por aí que o ideal é esquecer a pessoa e focar na obra. Já outros dizem que é pra cancelar obras por causa de pessoas. Entre uma atitude e outra, vale ouvir a bendita obra: John Lydon, apoiador de Donald Trump e figurinha bem estranha e controversa do rock, tem um ponto a seu favor. Sempre fez questão de se colocar como um dos maiores antagonistas da história da música, um filósofo da porrada – e isso refletiu em uma discografia que consegue ser tão irregular quanto fantástica. Muitas vezes, fantástica justamente por causa de sua irregularidade.

Sendo mais claro: se uma pessoa faz “música experimental”, post-rock ou estilos afins, e não tomou contato com a primeira fase da discografia do Public Image Ltd, perdeu a oportunidade de conferir o pós-punk reduzido a células de discos como First issue (1978), Metal box (1979) e Flowers of romance (1980). Mais do que discos inovadores, são o rock dos anos 1970 revirado do avesso e transformado em outra coisa – tão intensa que dá medo. Igualmente, discos como Album (1986) e Happy? (1987) apontaram caminhos para o rock pós-anos 1980, seguidos com discrição por algumas bandas de Seattle e do britpop, mais preocupadas em equilibrar influências de bandas como Black Sabbath e Beatles, respectivamente.

Agora corta para 2023. Ouvido com atenção, respeito e disposição para o não-cancelamento, End of world é um bom manifesto musical, e investe no que quase pode ser chamado de “punk progressivo”: o pós-punk repleto de ganchos estranhos e influências experimentais do PiL permite mesclas com cânticos vikings (Penge), tons apocalípticos e quase fúnebres (End of world), funk-punk à moda de Talking Heads e Gang Of Four, só que mais insociável (Walls).

O álbum inclui também a tristeza da despedida em Hawaii, canção paradisíaca e de uma beleza que muita gente jamais associaria a qualquer coisa que tenha John Lydon no meio. Antes que uma série de faixas mais irregulares tome conta do álbum, é possível encontrar um tecnopop poderoso (Car chase), um blues-rock robótico (Pretty awful) e um estranho boogie à moda do T. Rex (a desobediente The do that).

Em termos de letras, há o que permite mil leituras, como o mau humor de Walls, o naturalismo de Strange, a natureza quase morta de Dirty murky delight, a ideologia do esporro de End of world. E há o espaço para que Lydon mostre todo seu lado (lamentável) de tiozão do zap em Being stupid again, um ataque a todo e qualquer tipo de ativismo e idealismo. Decida aí se vale dar ouvidos ao “anarquismo conservador” de Lydon.

Gravadora: PiL Official
Nota: 6,5

Foto: Reprodução da capa do álbum

Ricardo Schott é jornalista, radialista, editor e principal colaborador do POP FANTASMA.

Crítica

Ouvimos: Body Count, “Merciless”

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Ouvimos: Body Count, “Merciless”
  • Merciless é o oitavo álbum do grupo de metal norte-americano Body Count. O material foi todo produzido por Ice-T, Vincent Price e Will Putney. Corpsegrinder (Cannibal Corpse), Howard Jones (Light The Torch), Joe Bad e Max Cavalera (Soulfly, Cavalera Conspiracy) fazem participações especiais, e David Gilmour toca guitarra na versão rap-metal de Comfortably numb, do Pink Floyd.
  • A banda hoje tem na formação Ice-T (voz), Ernie C (guitarra solo), Vincent Price (baixo, teclados), Juan Of The Dead (guitarra), Will “Ill Will” Dorsey Jr (bateria), Sean E Sean (sampler, backing vocals) e o filho de Ice T, Tracy “Little Ice” Marrow Jr (backing vocals).
  • Vincent Price contou ao site Devolution que Ice T desafiou o grupo a fazer músicas tão boas que pudessem dispensar seus vocais. “É fácil, porque faz as músicas se desenvolverem mais rápido, porque ele sabe o que quer. A coisa mais difícil quando você está lidando com um cantor é quando eles têm dificuldade em criar letras e escrever música, porque não é parte deles. Ice faz disso uma parte dele, para que possa escrever. É uma vibe”, disse.

Olha, se bobear, nem no primeiro disco (1992), quando o Body Count decidiu meter o pé na porta com Cop killer (depois arrancada fora do álbum), o grupo de heavy metal liderado pelo rapper Ice-T soou tão violento e feroz quanto nesse Merciless. Não são muitos álbuns de metal que começam com uma sessão de tortura (a vinheta Interrogation interlude) e que depois falam sobre tiro, porrada, bomba e quase todas as armas possíveis para cima do cidadão comum (a faixa-título Merciless, um redesenho funk-rap-metal no riff de War pigs, do Black Sabbath, com versos como “o jogo mudou, estou no topo/não há chance pra você chamar seus policiais racistas/tenho só uma vida pra viver/nenhuma porra mais pra dar”).

Merciless é horrorcore com todas as formas de violência possível, desde o ódio e preconceito do cidadão voltando-se contra ele (a faixa-título) até a neurose da guerra do dia a dia, dos guetos, do racismo, da brutalidade (a versão metal-rap de Comfortably numb, do Pink Floyd, com o próprio David Gilmour na guitarra, e versos acrescentados por Ice-T). Mais do que funcionar como a CNN negra – como o hip hop já foi definido – o disco serve como um banho assustador de realidade. The purge e Psychopath unem universos sonoros (do metal oitentista ao mundo crust de Ratos de Porão e Venom) para falar sobre ataque a racistas, ódio encapsulado e vítimas deixadas pelos cantos.

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Fuck what you heard é o momento “tudo vira bosta” do disco: Biden e Trump, democratas e republicanos, são vistos como todos sendo a mesma merda, como integrantes da mesma gangue, num rolo que envolve Fox News, CNN e gente chorando de barriga cheia (“eu vejo brancos chorando lágrimas do governo/nós negros choramos há anos/democrips, blood-blood publicans/tenho manos presos por causa de maconha, cara”). Lying muthafucka, por sua vez, é porrada desbocada na cara do presidente eleito norte-americano, mas serve para mais gente, inclusive um certo ex-presidente inominável: “eu sei que você está mentindo porque sua boca está se mexendo/toda a sua besteira é evidente/você mente para o mundo inteiro/e planeja concorrer novamente à presidência”.

Em meio a letras sobre guerra nuclear (a direta World war) e sobre como a corda da indústria da música sempre arrebenta do lado mais vulnerável (Mic contract), Merciless tem faixas cujos beats são dados por tiros (Do or die), sons que lembram a primeira fase do Metallica (Live forever) e participações especiais bacanas. A mais significativa é a de Max Cavalera, que faz vocais em português na abertura de Drug lords, metal cromado lembrando o som do Sepultura em Roots, com letra falando sobre a impunidade de quem realmente manda no jogo: “a contagem de corpos está aumentando/eles escaparam impunes de assassinato mais uma vez”. Ouça lendo as letras.

Nota: 9
Gravadora: Century Media.

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Ouvimos: Somesurprises, “Perseids”

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Ouvimos: Somesurprises, “Perseids”
  • Perseids é o segundo álbum como “banda completa” do Somesurprises, uma banda de space rock de Seattle, Estados Unidos. O grupo nasceu em 2012 como projeto bedroom da cantora, compositora e guitarrista Natasha El-Sergany. Completam hoje a banda o guitarrista e tecladista Josh Medina, a baixista Laura Seniow e o baterista Benjamin Thomas-Kennedy.
  • O material foi composto por Natasha durante o período mais bad vibes da pandemia, enquanto ela e todos da banda se viravam com empregos fora da música. O longo processo permitiu mudanças nas músicas, mas o entorno quase enlouqueceu todo mundo.
  • O título do disco é o nome dado a uma chuva de meteoros que “atinge o pico em meados de agosto, o que a torna mais facilmente visualizada em noites quentes de verão. Os meteoros são radiantes e rápidos, normalmente deixando longos rastros de cor e luz enquanto riscam o céu” (diz o site Wash Magazine).

A foto do Somesurprises usada em algumas plataformas digitais mostra o quarteto em meio a um entardecer, sol batendo na câmera, vento, tom de relaxamento num lugar distante. A capa de Perseids, disco novo do grupo liderado pela compositora Natasha El-Sergany, exibe o entardecer (ou quem sabe amanhecer?) o amanhecer em meio ao verde e às montanhas, numa explosão arroxeada/azulada que dá um clima de isolamento e introspecção.

Um isolamento e uma introspecção colorizados e explosivos, que por sua vez explicam bastante o que aguarda todo mundo nesse Perseids, uma mescla de psicodelia e shoegaze, de Pink Floyd e My Bloody Valentine, com peso dosado, paredes de guitarras, vocal esfumaçado e sussurado, e músicas que se transformam discretamente em ondas sonoras. Como na abertura com Be reasonable, e no clima de sonho de Bodymind, com sua melodia circular, e cordas e teclados soando como drones.

Daí para a frente, o Somesurprises chama a atenção pela sonoridade ruidosa e mântrica, em faixas como Snakes and ladders – com início psicodélico e sombrio, guitarra em clima quase progressivo, ruídos como se viessem da mata, e bateria atacando de surpresa. Why I stay é um blues-rock sombrio, com tom contemplativo dado pelas guitarras e pelo paredão sonoro. Ship circles tem ritmo dado por cordas, baixo e guitarra – a bateria surge discreta e quase imperceptível, e some logo depois. Em quase todas essas faixas, além da onda sonora de Darn victory e do som nublado de Black field, as letras e os vocais surgem quase como um instrumento a mais, um som acrescentado na música do grupo.

No final, Untitled é um instrumental curto que lembra um Velvet Underground psicodélico – aliás lembra um desvio lisérgico da combinação de viola elétrica + bateria em pé do grupo norte-americano. E a faixa-título, com mais de oito minutos, lembra o rock alemão dos anos 1970: vai ganhando peso e crescendo, até se transformar num instrumental pesado e circular.

Nota: 8,5
Gravadora: Doom Trip

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Ouvimos: Pata Söla, “Migrante” (EP)

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Ouvimos: Pata Söla, "Migrante" (EP)
  • Migrante é o EP de estreia do Pata Söla, trio carioca formado em 2023 por Iara Bertolaccini (guitarra e voz, ex-Blastfemme, e autora da arte da capa do disco), Marcelo Pineschi (baixo) e Jonas Cáffaro (bateria).
  • A Pata Söla do nome da banda é uma espécie de vampira das lendas latino-americanas. “Eu procurava por um nome que tivesse a ver com a América do Sul. Nas minhas pesquisas pela mitologia, encontrei a história da Patasola, que, assim como Iara (meu nome), foi também descrita como uma figura feminina amazônica, protetora da natureza e dos animais, que volta para se vingar dos homens”, conta ela aqui.

Cantado em inglês e espanhol, o EP do Pata Söla é uma experiência quase sobrenatural. Os vocais de Iara surgem com uma ambiência diferenciada, como se viessem de um lugar distante – bem mais distante que o peso do trio tocando junto, que soa como algo terreno e pesado. As seis faixas são um heavy metal que passa por vários andamentos e sonoridades diferentes, mas com argamassa sonora ligada aos anos 1990. A faixa de abertura, La sangre, começa com pegada quase grunge, vai para um lado funkeado, e  ganha uma levada de percussão nordestina em meio ao som pesado. Chaos, na sequência, é quase um misto punk + shoegaze + metal, com Iara responsabilizando-se por um paredão de guitarras.

A guerrilheira Ninãs del paraiso é um metal quase stoner, com herança clara do Sepultura, tom psicodélico garantido pela voz de Iara, e letra falando sobre bombas, guerras e crianças (“repetindo a história/perseguindo quem será/seu futuro inimigo/de um milagre nascerá”, diz a letra). O instrumental Fugitiva une metal a ritmos nordestinos, é sustentado pela linha de baixo e por guitarras de tom quase psicodélicos, assemelhando-se a códigos, ou a bombas e tiros em alguns momentos. No final, o tom contemplativo e triste de Echo, com letra em espanhol e inglês sobre a tristeza dos refugiados, e a declaração de princípios de La patasola (El grito), stoner-grunge-metal com letra declamada (“por todas aquelas que você quer encarcerar/do lado do povo que você veio dizimar”). Peso, feminismo e antifascismo em alto volume.

Nota: 8,5
Gravadora: Abraxas

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