Crítica
Ouvimos: Pixies, “The night the zombies came”

Quem diria que, em nova fase, os Pixies se tornariam um espelho, em 2024, dos antigos revisionistas novidadeiros dos anos 1970? Aquela turma que, ao mesmo tempo que trazia coisas novas para o rock, não deixava de olhar para conceitos de dez, até vinte anos antes: Bruce Springsteen, Pretenders, Nick Lowe, Sparks e vários outros tantos que não se identificavam com o “no future” do punk, mas que não deixavam de investir em música provocativa. E que muitas vezes pareciam bandas que haviam saído da cabeça de jornalistas de rock que estavam de olho na linha do tempo, e preocupados com a sobrevivência do estilo.
Na real, essa estética (que passa também por Lou Reed, Warren Zevon e tantos outros) já estava no DNA dos Pixies fazia tempo. Importante lembrar que The Cars, banda que praticamente ajudou o rock a renascer readaptando conceitos pop, já era uma enorme influência de Black Francis nos anos 1980 – talvez mais até que o Hüsker Dü que tanta gente associa a eles. Sons antigos de surf music, músicos estranhos dos anos 1960, Cheap Trick, baladões de Roy Orbison, as guitarras dobradas do Thin Lizzy… Tudo isso em algum momento já passou pelo design musical do grupo de Boston, que hoje volta mais para Bossanova (quarto disco, de 1990) do que para Surfer rosa (segundo disco, de 1988). Mais para a sonoridade de abóbada da estreia Come on pilgrim (1987) do que para o peso de Trompe le monde (quinto disco, de 1991).
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The night the zombies came é esse passado-futuro em 2024, com Black Francis (voz, guitarra), Joey Santiago (guitarra solo), David Lovering (bateria) e a novata Emma Richardson (baixo, voz) olhando não apenas para o que deixaram no passado, como, de certa forma, para o futuro da banda em meio a festivais, fãs com mais de 50 anos, vai e vem do mercado de shows e discos. Os Pixies não são mais apenas alternativos e se tornaram rock clássico para quem ouvia rádios como a Fluminense FM nos anos 1980 e pôde ver as primeiras cópias de Doolittle (terceiro disco, 1989) chegando às lojas, ainda em vinil. O esquema do disco é jogar luz sobre tudo o que havia de mais (digamos assim) vintage no som deles nos anos 1980: boas canções, um ouvido musical que vai do power pop ao folk em poucos minutos, solos que vão atrás mais da nota certa do que da microfonia – isso tudo sem deixar de lado a integridade da banda.
O novo dos Pixies é o disco de Motoroller, Kings of the prairie e Johnny good man, rocks ágeis e cantaroláveis lembrando The Cars e combinando guitarras e violões batidos. Tem pós-punks atualizados como You’re só impatient, além de canções com dramaticidade de girl group sessentista como I hear you Mary, e sons com certa cara folk, como Chicken e Primrose. Todas lado a lado com uma canção nostálgica e gótica, lembrando a fase anos 1980 do The Damned, que é a quase faixa-título Jane (The night the zombies came). E com o flerte punk de Oyster beds e Ernest Evans.
Do repertório de The night the zombies came consta também Mercy me, uma balada decalcadíssima de Lou Reed (até mesmo no vocal de Black Francis, grave e declamado), mas com a guitarra de Joey Santiago dando o toque especial – e uma das melhores do álbum. No fim, The Vegas suite, em duas partes (folk pixiano e power pop), com versos malucos como “eu paguei um dólar três vezes pela revolução número nove/e tudo estava bem”. Uma curiosidade que incomoda: não sei se foi para aliviar a nova troca de baixista na banda, mas a mixagem valoriza bem pouco o baixo de Emma Richardson em várias músicas. Mas não adianta: o novo dos Pixies já nasce imperdível.
Nota: 9
Gravadora: BMG
Crítica
Ouvimos: Davido – “5ive”

RESENHA: Com clima de verão, 5ive mostra Davido misturando tendências do afropop em um disco ambicioso e cheio de possíveis hits – mas precisava mesmo fazer um feat com Chris Brown?
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Aquele clima de praia, azaração (ainda se diz isso?), gente bonita e você, portando um drinque com guarda-chuvinha e usando uma camisa de botão no estilo do Magnum. Provavelmente é o que vai ficar na sua mente enquanto você ouve 5ive, quinto disco do popstar norte-americano de ascendência nigeriana David Adedeji Adeleke, ou simplesmente Davido.
Com um número enorme de convidados e um passeio por uma gama de estilos que pode ser definida como afropop (mas abarca reggaeton, trap, kuduro, pop latino, o africano highlife, etc), Davido é um cara cascudo e autoconfiante – a ponto de abrir seu álbum novo com uma vinheta orquestrada e narrada na qual se compara ao Davi da batalha bíblica com o gigante Golias. O repertório de 5ive mistura gastação de onda típica do trap, vibes afrolatinas e, volta e meia, temas de amor, sexo e territórios dominados.
É o que rola em faixas como Anything, Offa me (com Victoria Monet), R&B (que une o estilo ao trap) e Awuke – essa última, uma parceria com YG Marley, o filho de Lauryn Hill e Rohan Marley, e neto de Bob Marley, e uma das músicas em que Davido mostra influências do amapiano, um combinado de estilos e misturas musicais vindo da África do Sul. Essas mesclas dominam também faixas como Lover boy (com os franceses Tayc e Dadju) e With you (com Omah Lay), duas músicas que surgem no finalzinho do disco, e que dariam bons hits no Brasil.
Isso porque algumas coisas de 5ive são, digamos, análogas a muita coisa já testada e aprovada por aqui – só que vêm com uma cara bem diferente. A ótima Lately poderia ser gravada pela Shakira, e Tek (com Becky G), ganha um ar de lambada, e é aberta por um riff de sax que parece um corte feito a gilete no saxofone de Careless whispers, de George Michael. Indica que Davido, provavelmente, em algum momento, pode acabar estourando por aqui. E esse número enorme de convidados, claro, já é um esforço para chegar nos fandoms mais variados, o que também indica que, em algum momento, pode rolar um feat com algum nome brasileiro (Ivete Sangalo, não, pelo amor de deus).
A vontade de variar os feats acabou fazendo alguém da produção de 5ive, talvez o próprio Davido, viajar feio na maionese. O canceladaço Chris Brown surge soltando (mal) a voz em Titanium, uma música nota 2 do disco, e faz vir à mente a pergunta: “quem pediu isso?”. Em compensação, no animado afropop Funds, Davido dá espaço a dois nomes do pop nigeriano, Odumodublvck e Chike, e ele mesmo acaba servindo de ponte para que o afropop surja no mercado norte-americano diretíssimo da fonte. Mesmo com a irregularidade típica dos enormes discos pop de hoje em dia, 5ive vem com cara de território dominado.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 7,5
Gravadora: DMW/Columbia
Lançamento: 18 de abril de 2025.
Crítica
Ouvimos: 43duo – “Sã verdade” (EP)

RESENHA: O 43duo mistura pós-punk e psicodelia com naturalidade no EP Sã verdade, unindo grooves, ecos 60s/80s e letras poéticas e instintivas.
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O 43duo é uma dupla-banda de Paranavaí (PR) que toca de maneira bem peculiar: enquanto Hugo Ubaldo faz guitarras circulares, assemelhadas a loops de fita, Luana Santana toca teclados – inclusive synth bass – e bateria ao mesmo tempo (haja coordenação motora!). E os dois dividem os vocais. Com influências assumidas de Tame Impala, Boogarins, The White Stripes e Pink Floyd, mostram no EP Sã verdade uma mescla quase natural de pós-punk e psicodelia, buscando climas e timbres que aludam tanto a The Who, Kinks e Beatles quanto a Echo and The Bunnymen.
A faixa-título abre com um ataque de guitarra e bateria bastante sessentista, mas que logo vai buscando lugar no lado mais garageiro e profundo do rock britânico oitentista – com psicodelia vaporosa e delicada, algum peso, uma guitarra meio The Edge, meio blues-rock e final viajante. Sal e sina tem base forte, som que ocupa espaços e união de sons cavalares e brasilidades. Navio de sonhos une mod rock e vibrações sombrias num espaço repleto de eco e trevas – muito embora as letras do 43duo sejam poéticas e até naturalistas.
Essa sonoridade ganha contornos mágicos na voadora Guabiruba pt. II, um dream pop sobre as mutações do mundo e a força da natureza, unindo punk garageiro e ritmos nacionais. A balançada Cabeça vazia (Chuva cinza) lembra uma versão groovada dos Mutantes e do Som Imaginário. Concreto, aberta por clima desértico, soa quase stoner, lascada, lisérgica no arranjo, punk na execução, enquanto Lispector é um pós-punk com discreta cara beatle.
Uma das principais características do 43duo é que o som deles não parece vir de uma enorme esquentação de mufa. A sonoridade e o clima das letras parecem vir de uma mistura natural, e de uma voz pessoal como compositores e músicos adquirida em ensaios e reuniões de criação. Sã verdade – uma brincadeira poética com a “pós-verdade”, como se fosse o oposto dela – consegue parecer confortável e desafiador ao mesmo tempo, e conquista os ouvidos por causa disso.
Texto: Ricardo Schott
Nota: 9
Gravadora: Independente
Lançamento: 12 de junho de 2025
Crítica
Ouvimos: Beto – “Matriz infinita do sonho”

RESENHA: Em Matriz infinita do sonho, Beto cria uma MPB psicodélica e cinematográfica, misturando rock, ritmos afro-brasileiros e espiritualidade vivida.
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Beto, músico e cantor pernambucano, impressiona pelas texturas e pelo clima quase cinematográfico que imprime às faixas de Matriz infinita do sonho – sempre apontando para os lados da negritude, da espiritualidade e dos conhecimentos que só aparecem com a vivência pessoal. Coração preto, na abertura, é um rock abolerado com metais, guitarra com várias distorções no solo, e melodia com certo ar beatle – uma MPB com clima de rock que evoca Lanny Gordin. Pedra verde traz cordas rangendo, dando um som mágico e forte a uma música cujo violão tem emanações de Gilberto Gil.
Beto também apresenta em Matriz canções marítimas (Never die, Yara do mar), pequenos ritos musicados (Peixa), um tema jazzístico, experimental e percussivo (Marx Mellow, com Vitor Araújo no piano) e um reggae com células rítmicas alteradas pelo piano, que vai se aproximando de um dub (Brinquedo). Dandara é som com cara de Gal Costa e João Donato, e Valsinha, surpresa no disco, é uma valsa selvagem, com bastante percussão no começo e psicodelia injetada pela guitarra.
Texto: Ricardo Schott.
Nota: 8
Gravadora: YB Music
Lançamento: 6 de junho de 2025.
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