Cinema
O documentário quase secreto de Bob Dylan

Imagina a situação: uma emissora de TV contrata um diretor conhecido para fazer um documentário sobre um artista mais conhecido ainda, esperando um grande campeão de audiência – ou pelo menos algo que chegue perto disso. Só que o artista em questão não gosta do documentário e, mesmo tendo conhecimentos rudimentares de cinema, decide que ele mesmo vai ser o diretor do filme e o responsável pelo corte final.
E o que a emissora consegue quando vê o filme pronto? Um monte de imagens desconexas, diálogos que não se encaixam e muita coisa feita com câmera bêbada, além de papos sequelados e alucinados do artista principal. O filme tem imagens lindas, muita experimentação cinematográfica e musical. Só que aquilo não tem cara de lançamento televisivo do horário nobre. A emissora decide engavetar o documentário e deixá-lo parado por alguns bons anos.
Isso aconteceu em 1966 e o tal do grande artista envolvido foi (olha!) o temperamental Bob Dylan.
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A emissora da história, por sua vez, foi a ABC, que decidiu contratar o diretor DA Pennebaker para documentar a turnê de Dylan pelo Reino Unido e Irlanda em 1966. Pennebaker havia feito o filme Don’t look back, primeiro documentário de tour de Dylan, feito em 1965. Já no ano seguinte, o cantor excursionava e preparava o disco duplo Blonde on blonde (1966).
Um detalhe é que variáveis como “tempo” e “espaço” pareciam apenas bobagens se comparados ao dia a dia de Dylan, que estava sempre na estrada. A tour que iniciara em fevereiro de 1966 com a banda canadense The Hawks – que depois viraria The Band – já abria os trabalhos mesmo que o disco novo estivesse sendo gravado. Blonde on blonde passara por duas etapas. Na primeira, Dylan fizera gravações com The Hawks em Nova York, mas não ficou satisfeito com boa parte do material. Voltou ao estúdio em 1966 na meca country, Nashville, e o clima arejado do local invadiu os trabalhos. O cantor encontrou um espaço amplo na sala de gravação, e pediu que fossem retirados os biombos que separavam os músicos.
Foi nesse clima de trabalheira brutal que o tal documentário, Eat the document, foi feito. Aliás, com direito a cenas em que Dylan diverte-se com companheiros como Robbie Robertson – que aparece ensaiando e compondo em quartos de hotel com ele. Logo na abertura, o cantor cai na gargalhada ao lado dos amigos encostando o nariz na mesa e fingindo que cheira carreiras de cocaína (pelo menos é o que parece). Por sinal, um susto para quem só conhece o Dylan sério e meio enjoado das fotos de shows.
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No filme, o cantor é visto sendo chamado de “Judas” por “fãs” raivosos em seu show do Manchester Free Trade Hall (a plateia ficava indignada com as guitarras elétricas), participando de enigmáticas entrevistas coletivas, tocando piano com Johnny Cash (o hit I still miss someone, do homem de preto) e viajando de trem com a equipe da turnê.
E, em alguns cortes do filme, Dylan aparece num papo doidão com John Lennon, gravado em 27 de maio de 1966. Os dois andam de limusine por Londres, o beatle aparece com o mesmo visual hipster da contracapa de Revolver (1966) e Dylan parece não estar em condições de falar coisa com coisa. Mas aproveita para falar que o amigo “é um grande ator”. Em 1971, num papo com a Rolling Stone, Lennon dizia que nunca tinha visto essas imagens e confessava que aquela tranquilidade toda era disfarce: estava nervosíssimo com o encontro e com a filmagem.
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Dylan sofreu um acidente sério de moto perto de sua casa em Woodstock em 29 de julho de 1966, e se retirou dos trabalhos, mesmo com um disco para divulgar, e um filme para acabar. Pennebaker resolveu tocar o doc sozinho e ele quase se chamou You know something is happening. Só que Dylan, no estaleiro, viu tudo e achou o resultado parecido demais com Don’t look back. Decidiu editar ele mesmo, ao lado do cineasta Howard Alk.
A ABC incomodou-se bastante com o fato do documentário do cantor nem sequer indicar os lugares onde ele estava, ou mesmo os pontos específicos da turnê. Arquivou tudo e deixou pra lá o projeto – que deveria ser exibido na série ABC Stage 67. Recuperado, o filme acabou exibido no Whitney Museum of American Art em dezembro de 1972, com o nome de Eat the document. Mas nunca foi lançado de verdade, oficialmente. Em VHS ou DVD, nem pensar.
Em compensação, jogaram o filme no Vimeo. Aproveite enquanto está no ar, ou melhor, na web.
Cinema
Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”

- Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
- Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.
Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.
A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.
O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.
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O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.
De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.
Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.
Nota: 7
Gravadora: Interscope.
Agenda
Rock Horror Film Festival: cinema de terror em setembro no Rio

O Rock Horror Film Festival, festival carioca de filmes de terror, está de volta na praça – e vai rolar de 19 de setembro a 02 de outubro no Cinesystem de Botafogo (Zona Sul do Rio). Dessa vez, o evento vai trazer uma seleção de mais de 50 filmes de 17 países em seis categorias: Longas Sinistros, Médias Bizarros, Docs Estranhos, Curtas Macabros, Brasil Assombrado e Pílulas de Medo.
O objetivo do festival é unir terror, cultura pop e rock, e juntar os públicos das três coisas. Entre os filmes selecionados, há produções como The history of the metal and the horror, documentário de Mike Schiff repleto de nomões do som pesado (EUA), Tales of babylon, de Pelayo de Lario (Reino Unido), The Quantum Devil, de Larry Wade Carrell (EUA). Há também Death link, dirigido por David Lipper (EUA), com um time de astros e estrelas que inclui Jessica Belkin (Pretty little liars), Riker Lynch (Glee), David Lipper (Full House) e outros.
O evento também vai ter mesas redondas com diretores, atores e outros profissionais da indústria para o público do festival, comandadas pela criadora do Rock Horror Film Festival, Chrys Rochat (Sin Fronteras Filmes), e que vão rolar no hall do Cinesystem. Entre os convidados já estão confirmados diretores da Polônia, EUA, Canadá e Brasil. Happy hours cinéfilas, shows de rock e oficinas estão no programa também, além da exibição de um filme inédito no Brasil na abertura.
Lista completa dos filmes que participarão da edição no site do festival: www.
Agenda
Parayba Rock Fest: filme que será exibido no evento relembra história de fotógrafo morto por covid

Marcado para este domingo (28) na Areninha Cultural Hermeto Pascoal (Lona Cultural de Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro), o Parayba Rock Fest, do qual você ficou sabendo aqui, vai ter shows, DJs, exposições e várias outras atrações. E Michael Meneses, criador do selo Parayba Records e realizador da festa (que também comemora seus 50 anos de idade), vai exibir seu primeiro filme, Ver + – Uma luz chamada Marcus Vini. Michael, que é fotógrafo e professor de fotografia, iniciou o filme como trabalho de conclusão de curso de sua faculdade de Cinema.
“O que eu vou exibir no evento são os 50 minutos que já estão prontos do filme e que apareceram na apresentação do meu TCC. Ainda estou inclusive fazendo pesquisas para ele”, conta Michael, que com o filme, homenageia Marcus Vini, seu melhor amigo (“o irmão homem que eu não tive”, conta), morto por covid. Marcus era fotógrafo e, como Michael, foi professor universitário e cobriu festivais de música como o Rock In Rio.
“Marcus contraiu covid naquela época mais braba da doença, e morreu no dia em que ele deveria estar tomando a primeira dose”, lembra Michael. “Ele foi fotojornalista e curiosamente fazia aniversário no dia 19 de agosto, que é o Dia Mundial da Fotografia. E só soube disso depois que virou fotógrafo. Ele inclusive fez uma foto super importante numa enchente, que foi publicada no jornal Le Monde. A ideia do filme é focalizar o lado humanitário dele, um cara que estava sempre pensando em fazer doação de alimentos, coordenou um curso de fotografia em Madureira (Zona Norte do Rio)“. Antes do evento de Michael, o filme foi exibido também em lugares como a livraria carioca Belle Epoque.
O Pop Fantasma é um dos apoiadores do evento, ao lado de uma turma enorme. Para saber mais e comprar seu ingresso, confira o serviço abaixo.
SERVIÇO:
SHOWS COM AS BANDAS:
Netinhos de Dna Lazara, Benkens, NoSunnyDayz, New Day Rising (NDR) e Welcome To Tenda Spírita.
ALÉM DOS SHOWS:
Exibição do Documentário: VER+ – Uma Luz Chamada Marcus Vini – Direção: Michael Meneses
DJs: Explica e Chorão 3
Expo de fotos dos fotógrafos da Rock Press
Feira Cultural com: Disco de vinil, CDs, DVDs, roupas, livros, fanzines, artesanato, acessórios de moda rock, cultura geek e muito mais
Gastronomia Vegana: Vegazô – A Feira Vegana da Zona Oeste/RJ
DATA: 28 de julho 2024, às 14h.
LOCAL: Areninha Cultural Hermeto Pascoal – Praça 1 de Maio S/N – Bangu/RJ
INGRESSOS: antecipados aqui, na bilheteria da Areninha e na loja Requiem (Camelódromo de Campo Grande).
Foto: reprodução Instagram
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