Destaque
O Branco E O Índio: art-rock-pop-experimental carioca
Não tinha como NÃO dar atenção para a banda carioca O Branco E O Índio quando o baterista Pedro Serra (também Estranhos Românticos) me procurou mandando o novo single, Golden gol.
Tem mais um single, Super 8 81.
Só pra começar, Pedro, Roberto Souza (baixo), Flavio Abbes e Bruno Rezende (guitarras e vocais) definem o som da banda como art-rock-pop-experimental. Art-rock, definição largamente usada nos anos 1970 para designar um estilo de rock futurista sem ser progressivo, colou em bandas como Stranglers, Roxy Music, até em David Bowie.
O Branco E O Índio tem influências legais como Mutantes, James Chance, Neu! e Devo. Não dava para perder a oportunidade de conversar com uma banda que curte um grupo que foi produzido pela lenda alemã Conny Plank (o Neu!) e que valoriza o trabalho do experimental Chance, criador do The Contortions e um dos reis da no wave – estilo que arriscava mostrar a caretice musical do próprio punk rock. E que tem um músico (Abbes), que tocou com o malucão Damo Suzuki (ex-integrante do Can) em 2009 no Teatro Ipanema.
Mandei umas perguntas por e-mail para ver qual era a do Branco E O Índio e saiu isso aí. Confira. E o grupo faz um pré-lançamento do segundo disco, Plantas renováveis, no dia 20 de outubro dentro do Festival Paquetá Experimenta 2, na bucólica ilha carioca.
Art-rock é uma denominação pouco usada no Brasil (no caso de vocês é art-rock-pop-experimental) e muita gente confunde com rock progressivo. Como chegaram a essa definição para o som de vocês?
O BRANCO E O ÍNDIO: A gente chama de art-rock por ser uma música que é rock, que trabalha com canção, mas não é convencional. O pop-experimental vem no sentido de trabalhar com vertentes opostas, juntando padrões da música pop com elementos da música experimental, como dissonâncias, ruídos, efeitos na voz, letras imagéticas, surreais e neo-concretas e timbres inusitados. Inclusive criamos um instrumento durante a gravação do disco (que virou a capa), que é o pratotarra, um prato amplificado por um captador de guitarra.
Como é que influências maluconas como James Chance, Neu! e Devo misturam-se com sons como Clube da Esquina e Jupiter Maçã no som de vocês? O nosso som parte desse princípio, de misturar coisas improváveis mas com a nossa identidade. ´Golden Gol´ tem Jupiter Maçã, James Chance e Pink Floyd com molho paraense. Outro exemplo é uma música chamada Nonato, que é uma mistura de (uma adaptação em português de) Neu! com João Donato. Nós achamos que esses universos não são tão distantes assim e com a nossa extensa bagagem na música independente funcionamos como pontes entre eles, criando uma maneira de fazer a música de O Branco e o Índio.
Já que vocês curtem Neu!, o que achariam caso pudessem ter a oportunidade de serem produzidos pelo Conny Plank, que produziu discos deles? É claro que a gente gostaria de ser produzido pelo Conny Plank, que além do Neu! produziu também outros ícones do krautrock como Cluster e o Kraftwerk no começo. Seria uma aula e um prazer inenarrável. Mas também foi ótimo ter a liberdade de produzir o disco nós mesmos, no nosso tempo e da nossa forma, fazendo não somente o que a gente queria, mas o que fomos descobrindo e sentindo ao longo do processo da gravação.
O que acham de discos como No New York, que traziam artistas como James Chance e Lydia Lunch? É uma influência? Sem dúvida nenhuma é uma influência. Nós gostamos das bandas da coletânea e principalmente o Buy (estreia de James Chance & The Contortions, de 1979), e também das bandas mais pop dessa época, como Talking Heads. Além disso, tocamos o clássico By this river, do Brian Eno, que é o produtor do No New York.
Como o disco vai ser lançado? Sai em CD e vinil ou vocês pretendem deixá-lo apenas nas plataformas digitais? Vamos lançar um single a cada 15 dias em plataforma digital até o lançamento do CD, em novembro. Para nós, o CD é ainda uma plataforma muito importante. Não só enquanto solidificação do trabalho em uma obra conceitual com capa, encarte com letras, imagens e ficha técnica, como também uma ordenação das músicas que foi extensamente pensada e discutida por toda a banda. E quem sabe, o vinil sai um dia…
Abbes, você tocou com Damo Suzuki em 2009 no Rio (eu tava lá vendo!). O que ficou pra você dessa experiência?
FLAVIO ABBES: Foi uma noite inesquecível porque eu toquei com uma referência pra mim, e foi incrível ver, tocar e compartilhar com uma figura tão expressiva e que foi um dos precursores de um tipo de vocal demente, que também está presente em algumas faixas do nosso disco. Eu realmente decolei com ele naquela noite.
Cultura Pop
Quando Suicide gravou… “Born in the USA”, do Bruce Springsteen
A way of life, disco de 1988 da dupla de música eletrônica Suicide, é tido como um disco, er, acessível. Acessível à moda de Martin Rev e Alan Vega, claro. O disco pelo menos podia ser colocado tranquilamente na prateleira dos artífices da darkwave e era bem mais audível do que o comum de um grupo que havia lançado a assustadora Frankie teardrop. O disco era produzido por Ric Ocasek, líder dos Cars (que já havia produzido o segundo disco deles, de 1981, Alan Vega/Martin Rev), e tinha até uma eletro-valsinha, Surrender, além de um estiloso misto de rockabilly e synthpop, Jukebox baby 96.
O que ninguém esperava era que a dupla tivesse feito nessa mesma época uma estranhíssima versão de… Born in the USA, de Bruce Springsteen. A faixa surge numa versão ao vivo, gravada num show de Vega e Rev em 1988, em Paris. A dupla nem sequer disfarçou que a ideia era fazer uma versão bem lascada – saca só o sintetizadorzinho da música, e a referência a músicas como Lucille, de Little Richard, e o tema When the saints go marching in, logo na abertura. A “versão” da faixa resume-se a quase nada além do título da canção. Parece um karaokê do demo (e é).
A versão poderia ser uma bela pirataria, mas vira oficial nesse mês: vai aparecer em uma reedição de A way of life, prevista para o dia 26. A edição de luxo estará disponível em vinil azul transparente com Born in the USA e em CD com quatro faixas bônus, além do formato digital. O material extra inclui versões ao vivo de Devastation e Cheree, bem como uma versão inicial de estúdio de Dominic Christ. O pesquisador Jared Artaud encontrou as faixas enquanto trabalhava no arquivo de Vega, após a morte do cantor em 2016.
E se você não sabia, vai aí a surpresa: Springsteen tá bem longe de ser um sujeito que diria “what?” ao ser informado da existência do Suicide. Pelo contrário: era fã da dupla e costumava dizer que a estreia do Suicide, o disco epônimo de 1977, era “um dos discos mais sensacionais que já ouvi”. Em 1980, o cantor esteve com a dupla e Vega descobriu que Springsteen era seu fã – e se surpreendeu.
“Ele estava gravando o disco The river (1980) e nós estávamos gravando nosso segundo álbum em Nova York. Então tivemos uma reunião de audição do nosso álbum. Havia três ou quatro figurões da nossa gravadora, e Bruce também estava lá. Depois que tocamos o álbum, houve um silêncio mortal… exceto por Bruce, que disse, ‘Isso foi ótimo pra caralho.’ Ele fazia questão de nos dizer o quanto nos amava”, contou em 2014 ao New York Post.
Mais: um texto do site Treblezine, a partir de audições da obra de Bruce e de entrevistas do Suicide, descobre: a dupla influenciou muito o sombrio disco Nebraska, tido como o “primeiro disco solo” (sem a E Street Band) de Springsteen (1982), basicamente um disco sobre crise, desemprego e gente à beira do desespero pela falta de oportunidades. Houve uma versão elétrica e pesada de Nebraska, mas Bruce quis lançar o disco acústico, de voz, violão e registros crus, e que de fato lembram o clima esparso do Suicide do primeiro disco.
Na dúvida, ouça State trooper, cujos uivos lembram bastante os gritos (sem aviso prévio) de Frankie teardrop. “Lembro-me de entrar na minha gravadora logo após o lançamento do meu disco”, disse Vega depois de ouvir State trooper pela primeira vez. “Eu pensei que era um dos meus álbuns que eu tinha esquecido. Mas era Bruce!”
Cultura Pop
No podcast do Pop Fantasma, a fase de transição do Metallica
A morte do baixista Cliff Burton, em 27 de setembro de 1986, desorientou muito o Metallica. Além do que aconteceu, teve a maneira como aconteceu: a banda dormia no ônibus de turnê, sofreu um acidente que assustou todo mundo, e quando o trio restante saiu do veículo, só restou encarar a realidade. A partir daquele momento, estavam não apenas sem o baixista, como também estavam sem o amigo Cliff, sem o cara que mais havia influenciado James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett musicalmente, e sem a configuração que havia feito de Master of puppets (1986) o disco mais bem sucedido do grupo até então.
Hoje no Pop Fantasma Documento, a gente dá uma olhada em como ficou a vida do Metallica (banda que, você deve saber, está lançando disco novo, 72 seasons) num período em que o grupo foi do céu ao inferno em pouco tempo. O Metallica já era considerado uma banda de tamanho BEM grande (embora ainda não fosse o grupo multiplatinado e poderoso dos anos 1990) e, justamente por causa disso, teve que passar por cima dos problemas o mais rápido possível. E sobreviver, ainda que à custa justamente da estabilidade emocional de Jason Newsted, o substituto do insubstituível Cliff Burton…
Nomes novos que recomendamos e que complementam o podcast: Skull Koraptor e Manger Cadavre?
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts.
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Estamos aqui toda sexta-feira!
Destaque
Dan Spitz: metaleiro relojoeiro
Se você acompanha apenas superficialmente a carreira da banda de thrash metal Anthrax e sentia falta do guitarrista Dan Spitz, um dos fundadores, ele vai bem. O músico largou a banda em 1995, pouco antes do sétimo disco da banda, Stomp 442, lançado naquele ano. Voltaria depois, entre 2005 e 2007, mas entre as idas e as vindas, o guitarrista arrumou uma tarefa bem distante da música para fazer: ele se tornou relojoeiro (!).
A vida de Dan mudou bastante depois que o músico teve filhos em 1995, e começou a se questionar se queria mesmo aquela vida na estrada. “Fazíamos um álbum e fazíamos turnês por anos seguidos, e então começávamos o ciclo de novo – o tempo em casa não existia. É uma história que você vê em toda parte: tudo virou algo mundano e mais parecido com um trabalho. Eu precisava de uma pausa”, contou Spitz ao site Hodinkee.
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Na época, lembrou-se da infância, quando ficava sentado com seu avô, relojoeiro, desmontando relógios Patek Philippe, daqueles cheios de pecinhas, molas e motores. “Minha habilidade mecânica vem de minha formação não tradicional. Meu quarto parecia uma pequena estação da NASA crescendo – toneladas de coisas. Eu estava sempre construindo e desmontando coisas durante toda a minha vida. Eu sou um solucionador de problemas no que diz respeito a coisas mecânicas e eletrônicas”, recordou no tal papo.
Spitz acabou no Programa de Treinamento e Educação de Relojoeiros da Suíça, o WOSTEP, onde basicamente passou a não fazer mais nada a não ser mexer em relógios horrivelmente difíceis o dia inteiro, aprender novas técnicas e tentar alcançar os alunos mais rápidos e mais ágeis da instituição.
>>> Veja também no POP FANTASMA: Discos de 1991 #9: “Metallica”, Metallica
A música ainda estava no horizonte. Tanto que, trabalhando como relojoeiro em Genebra, pensou em largar tudo ao receber um telefonema do amigo Dave Mustaine (Megadeth) dizendo para ele esquecer aquela história e voltar para a música. Olhou para o lado e viu seu colega de bancada trabalhando num relógio super complexo e ouvindo Slayer.
O músico acha que existe uma correlação entre música e relojoaria. “Aprender a tocar uma guitarra de heavy metal é uma habilidade sem fim. É doloroso aprender. É isso que é legal. O mesmo para a relojoaria – é uma habilidade interminável de aprender”, conta ele. “Você tem que ser um artista para ser o melhor – seja na relojoaria ou na música. Você precisa fazer isso por amor”.
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