Cinema
Tem documentário sobre Mussum vindo aí

O trapalhão Mussum e seu intérprete, o ator e músico Antonio Carlos Bernardes Gomes (1941-1994), eram sujeitos bem diferentes – apesar de nenhum fã dos Trapalhões ter dúvida de que os dois são a mesma pessoa. Mais: quem hoje acompanha os vídeos do Mussum pelo YouTube (muita gente que mal era nascida em 1994 faz isso) pode não fazer ideia, mas a história dele vem de muito antes do grupo de humor.
Artista completo, do tipo que canta, dança, sapateia, representa e faz rir, ele ajudou a mudar a MPB como integrante do grupo Originais do Samba, cujo repertório era cheio de músicas exclusivas de Jorge BenJor (Cadê Teresa, Vou me pirulitar, Lá vem Salgueiro).
Os Originais também participaram da Bienal do Samba da TV Record, em 1968, acompanhando Elis Regina (Lapinha, de Baden Powell e Paulo Cesar Pinheiro, defendida pela turma, ficou em 1º lugar).
A vida de Mussum virou filme. Batemos um papo com a cineasta Susanna Lira, que lança dia 4 de abril o documentário Mussum – Um filme do cacildis. Susanna, que também é responsável por séries como Rotas do ódio (Universal Channel), optou por mostrar um lado diferente do trapalhão.
Além de sua carreira pregressa de músico, Mussum é visto como pai de família (de várias famílias inclusive), como o cara que não tolerava piadas racistas (saía no tapa com pessoas que o ofendiam na rua), e como um sujeito bem humorado, mas bastante rigoroso consigo próprio e com os outros.
Pega aí (e assista Mussum em ação entre uma pergunta e outra)
POP FANTASMA: O que te levou a fazer um documentário sobre o Mussum?
SUSANNA LIRA: Eu achava importante trazer coisas que o público dele não sabia. Ele é presente na nossa cultura ainda com os memes, as frases dele, e tem uma geração que reproduz tudo que ele falava, mas nunca o viu no ar. Muita gente mal sabia que Mussum tinha tocado nos Originais do Samba, que não foi só um grupo de samba. Foi um grupo que estabeleceu a música brasileira. Fizeram shows fora do Brasil, foram importantes até na carreira da Elis Regina. Participaram de momentos importantes da música brasileira.
Jorge Ben Jor fazia músicas com exclusividade para eles… Sim, uma pena que o Jorge é sempre difícil para ser entrevistado. Mas a gente queria trazer o Antonio Carlos para o filme. Quando a pessoa faz só um personagem, ela fica conhecida justamente pelo nome dele. E eu queria trazer o homem sério, que era pai de família, que tinha responsabilidade em tudo o que fazia.
Os Trapalhões são sempre lembrados pelo humor politicamente incorreto e no seu filme você deixa claro que Mussum, que às vezes ouvia piadas racistas no programa, brigava muito na rua quando ouvia esse tipo de comentário… Na vida pessoal ele não admitia esse tipo de piada de forma alguma. O Joel Zito Araújo (cineasta) até comenta que na televisão sempre vai haver espaço para um negro como o Mussum, mas para um negro como o Antonio Carlos é difícil. E tem que trazer para os jovens essas referências de homens negros da cultura brasileira. Esse tipo de piada, hoje em dia, jamais poderia ser feita. Diferentemente de muitas pessoas, acho que o humor tem limites e não deve ofender ninguém. Hoje, as pessoas se sentem mais à vontade para serem racistas, o que me preocupa bastante.
O Lázaro Ramos narrou o documentário. Como foi tê-lo narrando o filme? Ele foi até bem mais que um narrador: fez a consultoria de roteiro e analisava todos os textos que a gente mandava para a narração. Eu queria ele como um homem negro que ocupa espaço como artista. E Mussum foi referência para Lázaro. Olhando o filme do ponto de vista do racismo, o Lázaro foi muito generoso com a gente dando o aval do texto final.
O documentário tem um ritmo bastante parecido com o Ilha das Flores, por sinal… Sim, foi uma referência! É muito difícil falar de um cara que já morreu, na verdade. Eu já tinha feito Clara estrela, sobre Clara Nunes, e não queria que fosse do mesmo jeito, só falando em primeira pessoa. Queria que fosse com ironia, leveza, humor, senão ninguém iria querer ver o filme. As pessoas querem se divertir. Tanto que vamos lançar o filme num cinema de shopping, para alcançar um público que não vê documentário. Conseguimos fazer um filme com humor mas que toca em assuntos contundentes com bastante leveza. Importante falar também que o filme tem trilha feita pelo Pretinho da Serrinha. É a primeira trilha sonora que ele faz para filme. E ele faz algo hoje muito parecido com o que os Originais do Samba faziam.
Os Trapalhões fizeram parte da sua formação? Qual tua relação com os filmes deles? Eu sempre morei no subúrbio e minha mãe procurava levar a mim e meus irmãos para a cultura. Eu lembro que estreava filme dos Trapalhões e minha mãe levava a gente na Cinelândia para assistir. Eu botava minha melhor roupa, meus irmãos menores também… Os eventos culturais eram sempre ligados aos Trapalhões. Minha mãe não tinha uma cultura muito ampla, digamos, mas ela achava que era importante para a gente ver esses filmes. E eu passei a gostar de cinema vendo os Trapalhões.
Por que você acha que o Mussum conseguiu virar esse ícone? Por que o Mussum e não o Zacarias, digamos? Porque o Mussum é o povo brasileiro. Ele representa a gente, o povo sofrido, aquele cara que mora no Morro da Mangueira, sempre se ferra em subempregos, resiste às dificuldades da vida. Ele tem que encarar isso. E tem o vocabulário dele, próprio, que é muito fácil, o “cacildis”, “forévis”. A gente começa o filme brincando com essa coisa do “forévis” até. Ele tinha uma comunicação muito direta com o público, com o cara que trabalha a semana inteira e quer esquecer um pouco os problemas.
Cinema
Urgente!: Cinema pop – “Onda nova” de volta, Milton na telona

Por muito tempo, Onda nova (1983), filme dirigido por Ícaro Martins e José Antonio Garcia – e censurado pelo governo militar –, foi jogado no balaio das pornochanchadas e produções de sacanagem.
Fácil entender o motivo: recheado de cenas de sexo e nudez, o longa funciona como uma espécie de Malhação Múltipla Escolha subversivo, acompanhando o dia a dia de uma turma jovem e nada comportada – o Gayvotas Futebol Clube, time de futebol formado só por garotas, e que promovia eventos bem avançadinhos, como o jogo entre mulheres e homens vestidos de mulher. Por acaso, Onda nova foi financiado por uma produtora da Boca do Lixo (meca da pornochanchada paulistana) e acabou atropelado pela nova onda (sem trocadilho) de filmes extremamente explícitos.
O elenco é um espetáculo à parte. Além de Carla Camuratti, Tânia Alves, Vera Zimmermann e Regina Casé, aparecem figuras como Osmar Santos, Casagrande e até Caetano Veloso – que protagoniza uma cena soft porn tão bizarra quanto hilária. Durante anos, o filme sobreviveu em sessões televisivas da madrugada, mas agora ressurge restaurado e remasterizado em 4K, estreando pela primeira vez no circuito comercial brasileiro nesta quinta-feira (27).
Meu conselho? Esqueça tudo o que você já ouviu sobre Onda nova (ou qualquer lembrança de sessões anteriores). Entre de cabeça nessa comédia pop carregada de referências roqueiras da época, um cruzamento entre provocação punk e ressaca hippie. O filme abre com Carla Camuratti e Vera Zimmermann empunhando sprays de tinta para pixar os créditos, mostra Tânia Alves cantando na noite com visual sadomasoquista, segue com momentos dignos de um musical glam – cortesia da cantora Cida Moreyra, que brilha em várias cenas – e trata com surpreendente modernidade temas como maconha, cultura queer, relacionamentos sáficos, mulheres no poder, amores fluidos e, claro, futebol feminino.
Se fosse um disco, Onda nova seria daqueles para ouvir no volume máximo, prestando atenção em cada detalhe e referência. A trilha sonora passeia entre o boogie oitentista e o synthpop, com faixas de Michael Jackson e Rita Lee brotando em alguns momentos. E o que já era provocação nos anos 1980 agora ressurge como registro de uma juventude que chutava o balde sem medo. Vá assistir correndo.
*****
Já Milton Bituca Nascimento, de Flavia Moraes, que estreou na última semana, segue outro caminho: o da reverência, mesmo que seja um filme documental. Durante dois anos, Flavia seguiu Milton de perto e produziu um retrato que, mais do que um relato biográfico, é uma celebração. E uma hagiografia, aquela coisa das produções que parecem falar de santos encarnados.
A narração de Fernanda Montenegro dá um tom solene – e, enfim, logo no começo, fica a impressão de um enorme comercial narrado por ela, como os daquele famoso banco que não patrocina o Pop Fantasma. Aos poucos, vemos cenas da última turnê, reações de fãs, amigos contando histórias. Marcio Borges lê matérias do New York Times sobre Milton, para ele. Wagner Tiso chora. Quincy Jones sorri ao falar dele. Mano Brown solta uma pérola: Milton o ensinou a escutar. E Chico Buarque assiste ao famigerado momento do programa Chico & Caetano em que se emociona ao vê-lo cantar O que será – um vídeo que virou meme recentemente.
Isso tudo é bastante emocionante, assim como as cenas em que a letra da canção Morro velho é recitada por Djavan, Criolo e Mano Brown – reforçando a carga revolucionária da música, que usava a imagem das antigas fazendas mineiras para falar de racismo e capitalismo. Mas, no fim, o que fica de Milton Bituca Nascimento é a certeza de que Milton precisava ser menos mitificado e mais contado em detalhes. Vale ver, e a música dele é mito por si só, mas a sensação é a de que faltou algo.
Por acaso, recentemente, Luiz Melodia – No coração do Brasil, de Alessandra Dorgan, investiu fundo em imagens raras do cantor, em que a história é contada através da música, sem nenhum detalhe do tipo “quem produziu o disco tal”. Mas o homem Luiz Melodia está ali, exposto em entrevistas, músicas, escolhas pessoais e atitudes no palco e fora dele. Quem não viu, veja correndo – caso ainda esteja em cartaz.
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Cinema
Urgente!: Filme “Máquina do tempo” leva a música de Bowie e Dylan para a Segunda Guerra

Descobertas de antigos rolos de filme, assim como cartas nunca enviadas e jamais lidas, costumam render bons filmes e livros — ou, pelo menos, são um ótimo ponto de partida. É essa premissa que guia Máquina do tempo (Lola, no título original), estreia do irlandês Andrew Legge na direção. A ficção científica, ambientada em 1941, acompanha as irmãs órfãs Martha (Stefanie Martini) e Thomasina (Emma Appleton), e chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (13), dois anos após sua realização.
As duas criam uma máquina do tempo — a Lola do título original, batizada em homenagem à mãe — capaz de interceptar imagens do futuro. O material que elas conseguem captar é todo registrado em 16mm por uma câmera Bolex, dando origem aos tais rolos de filme.
E, bom, rolo mesmo (no sentido mais problemático da palavra) começa quando o exército britânico, em plena Segunda Guerra Mundial, descobre a invenção e passa a usá-la contra as tropas alemãs. A princípio, a estratégia funciona, mas logo começa a sair do controle. As manipulações temporais geram consequências inesperadas, enquanto as personalidades das irmãs vão se revelando e causando conflitos.
Com apenas 80 minutos de duração e filmado em 16 mm (com lentes originais dos anos 1930!), Máquina do tempo pode soar confuso em algumas passagens. Não apenas pelas idas e vindas temporais, mas também pelo visual em preto e branco, valorizando sombras e vozes que quase se tornam personagens da história. Em alguns momentos, é um filme que exige atenção.
O longa também tem apelo para quem gosta de cruzar cultura pop com história. Martha e Thomasina ficam fascinadas ao ver David Bowie cantando Space oddity (o clipe brota na máquina delas), tornam-se fãs de Bob Dylan, adiantam a subcultura mod em alguns anos (visualmente, inclusive) e coadjuvam um arranjo de big band para o futuro hit You really got me, dos Kinks, que elas também conseguem “ouvir” na máquina. Um detalhe curioso: a própria Emma Appleton operou a câmera em cenas em que sua personagem Thomasina se filma (“para deixar as linhas dos olhos perfeitas”, segundo revelou o diretor ao site Hotpress).
Ainda que a cultura pop esteja presente, Máquina do tempo é, acima de tudo, um exercício de futurologia convincente, explorando uma futura escalada do fascismo na Inglaterra — que, no filme, chega até mesmo à música, com a criação de um popstar fascista.
A ideia faz sentido e nem é muito distante do que aconteceu de verdade: punks e pré-punks usavam suásticas para chocar os outros, Adolf Hitler quase figurou na capa de Sgt. Pepper’s, dos Beatles, Mick Jagger não se importou de ser fotografado pela “cineasta de Hitler” Leni Riefenstahl, artistas como Lou Reed e Iggy Pop registraram observações racistas em suas letras, e o próprio Bowie teve um flerte pra lá de mal explicado com a estética nazista. Mas o que rola em Máquina do tempo é bem na linha do “se vocês soubessem o que vai acontecer, ficariam enojados”. Pode se preparar.
Cinema
Ouvimos: Lady Gaga, “Harlequin”

- Harlequin é um disco de “pop vintage”, voltado para peças musicais antigas ligadas ao jazz, lançado por Lady Gaga. É um disco que serve como complemento ao filme Coringa: Loucura a dois, no qual ela interpreta a personagem Harley Quinn.
- Para a cantora, fazer o disco foi um sinal de que ela não havia terminado seu relacionamento com a personagem. “Quando terminamos o filme, eu não tinha terminado com ela. Porque eu não terminei com ela, eu fiz Harlequin”, disse. Por acaso, é o primeiro disco ligado ao jazz feito por ela sem a presença do cantor Tony Bennett (1926-2023), mas ela afirmou que o sentiu próximo durante toda a gravação.
Lady Gaga é o nome recente da música pop que conseguiu mais pontos na prova para “artista completo” (aquela coisa do dança, canta, compõe, sapateia, atua etc). E ainda fez isso mostrando para todo mundo que realmente sabe cantar, já que sua concepção de jazz, voltada para a magia das big bands, rendeu discos com Tony Bennett, vários shows, uma temporada em Las Vegas. Nos últimos tempos, ainda que Chromatica, seu último disco pop (2020) tenha rendido hits, quem não é 100% seguidor de Gaga tem tido até mais encontros com esse lado “adulto” da cantora.
A Gaga de Harlequin é a Stefani Joanne Germanotta (nome verdadeiro dela, você deve saber) que estudou piano e atuação na adolescência. E a cantora preparada para agradar ouvintes de jazz interessados em grandes canções, e que dispensam misturas com outros estilos. Uma turminha bem específica e, vá lá, potencialmente mais velha que a turma que é fã de hits como Poker face, ou das saladas rítmicas e sonoras que o jazz tem se tornado nos últimos anos.
O disco funciona como um complemento a ao filme Coringa: Loucura a dois da mesma forma que I’m breathless, álbum de Madonna de 1990, complementava o filme Dick Tracy. Mas é incrível que com sua aventura jazzística, Gaga soe com mais cara de “tá vendo? Mais um território conquistado!” do que acontecia no caso de Madonna.
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O repertório de Harlequin, mesmo extremamente bem cantado, soa mais como um souvenir do filme do que como um álbum original de Gaga, já que boa parte do repertório é de covers, e não necessariamente de músicas pouco conhecidas: Smile, Happy, World on a string, (They long to be) Close to you e If my friends could see me now já foram mais do que regravadas ao longo de vários anos e estão lá.
De inéditas, tem Folie à deux e Happy mistake, que inacreditavelmente soam como covers diante do restante. Vale dizer que Gaga e seu arranjador Michael Polansky deram uma de Carlos Imperial e ganharam créditos de co-autores pelo retrabalho em quatro das treze faixas – até mesmo no tradicional When the saints go marching in.
Michael Cragg, no periódico The Guardian, foi bem mais maldoso com o álbum do que ele merece, dizendo que “há um cheiro forte de banda de big band do The X Factor que é difícil mudar”. Mas é por aí. Tá longe de ser um disco ruim, mas ao mesmo tempo é mais uma brincadeirinha feita por uma cantora profissional do que um caminho a ser seguido.
Nota: 7
Gravadora: Interscope.
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