Cultura Pop
Lembra quando o Recruta Zero foi pro Rock In Rio?
Nos anos 1980, quando a revistinha do Recruta Zero era publicada pela Rio Gráfica e Editora (que pertencia à Rede Globo e depois passou a ser chamada de Editora Globo, mesmo), um time de roteiristas e ilustradores tratava de dar um ar mais brasileiro à história criada pelo norte-americano Mort Walker. Daí foram criados projetos como o Jornal do Batalhão, que vinha encartado na revista (com cartas respondidas pela Dona Tetê, secretária do General Dureza) e histórias especiais como as que transformavam o Quartel Swampy na cidade de Asa Branca, de Roque Santeiro (obviamente a história se chamava Roque Swampeiro e o personagem era encarnado pelo Recruta Zero). E saiu também, em maio de 1985, um Almanaque Zero levando a história do Rock In Rio para o quartel: era o Rock In Swampy.
Muita gente sequer lembra disso, mas 1985, ano do primeiro Rock In Rio, era também Ano Internacional da Juventude, escolhido pela Organização das Nações Unidas. Foi exatamente por causa disso que o Pentágono decidiu fazer um teste no quartel Swampy, substituindo os oficiais mais velhos por uma turma nova.
E de repente surge a figura do General Woodstock, que destruiu toda uma aldeia vietcongue enquanto estava muito doido, durante a Guerra do Vietnã, e passou anos se recuperando de uma overdose. O cara ia substituir o General Dureza e, para ajudar na missão, levou sua turma: o Coronel Natural (!), o Capitão Newave (!!) e o Tenente Punky (!!!).
Os oficiais antigos são todos internados e a chegada da turma nova é, digamos, algo meio chocante no quartel. Até porque uma das primeiras missões dos oficiais é levantar o moral da tropa. Para isso, eles resolvem chamar umas amigas hippies e punks para fazer uma festinha com os soldados, que acaba com os pracinhas fugindo horrorizados após as punkettes anunciarem que iria rolar um festival de giletadas (sim, isso era uma revista infantil!).
E agora? Bom, o General Woodstock e sua turma têm a ideia de montar um festival de rock, o Rock In Swampy. Olha só a escalação com várias paródias de nomes de bandas conhecidas, participantes do Rock In Rio ou não.
E os oficiais antigos? Bom, eles ficam sabendo e se horrorizam mais ainda quando descobrem que a ideia deu tão certo que vários jovens, em 1985 (no Brasil isso era o, er, primeiro ano da Nova República, com o ex-arenista José Sarney no comando), estavam querendo se alistar. Dureza e seus amigos resolvem espalhar a história de que um profeta chamado Nostrainha (!) tinha previsto uma desgraça acontecendo no festival (rebatida pela turma de Woodstock, Natural, Newave e Punky com uma campanha na base do “já que você vai morrer mesmo, morra curtindo um som”).
Tá curioso para saber como foi o festival? Olha só as apresentações de Kid Dentinho & Os Caipiras Selvagens (cantando Fazendão, uma versão chá-de-cogumelo de Fixação), Platão Vermelho zoando a vida na caserna numa paródia de Maior abandonado e o Passe Livre (com os vida-loka Zero, Quindim, Cosme e Roque) ofendendo o Sargento Tainha numa versão de Eu sou free, do Sempre Livre. Nessa hora, o Sargento chega lá e acaba com a farra.
O responsável por esse roteiro do Rock In Swampy é um velho conhecido de quem curte quadrinhos no Brasil: Ota Assunção, que naquela mesma época era editor da versão brasileira da Mad. “Eu escrevia todo mês uma cota de páginas porque a produção original não dava. Os almanaques Zero durante um tempo fui eu que fiz a maioria”, lembra ele num papo com a gente. Ota hoje divulga os dois volumes da série Garota bipolar, que edita por conta própria, e tem um crowdfunding no Apoia.se para seus trabalhos autorais.
“Geralmente, a gente ia no que tava na onda (para fazer os gibis) e essas revistas vendiam bem. Eu tinha uma boa cota, era o roteirista que fazia mais, e tinha 90% de aprovação ou mais. Só rejeitavam uma ou outra porque tinha saído alguma igual”, conta ele, que fez também outro roteiro clássico, o do dia em que sequestraram o desenhista do Zero – que colocava até Mauricio de Sousa e Frank Miller na roda. Ota não teve seu nome publicado como autor desses roteiros, mas não era por causa de seu emprego na Mad, editada pela Record. “Eu não fazia questão de assinar”.
Cultura Pop
No nosso podcast, a época em que o Killing Joke revolucionou o pós-punk
Drogas, caos, peso, ocultismo, iluminação espiritual e paixão pela violência e pelo proibido marcaram a carreira do Killing Joke – e marcam até hoje, já que a banda ainda existe. Do começo até meados dos anos 1980, Jaz Coleman, Youth (e depois Paul Raven), Paul Ferguson e o recém-falecido Geordie inseriram mais e mais perigo num estilo musical, o pós-punk, marcado pela insinuação e pela exploração de demônios interiores.
No nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, o assunto de hoje é a melhor fase do Killing Joke, uma das bandas mais misteriosas da história do rock, responsável por aproximar estilos como pós-punk, gótico e heavy metal. Terminamos no disco Brighter than a thousand suns (1986), mas a história do grupo ainda inclui muitos outros discos – ouça tudo.
Século 21 no podcast: Girls In Synthesis e Plastique Noir.
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify e no Deezer .
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch (foto: reprodução internet). Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.
Crítica
Ouvimos: Ramones, “Halfway to sanity” (relançamento)
Que ironia: um disco nota 6 dos Ramones causa crises de saudades e revisionismo histórico e… pelo menos aqui no Pop Fantasma, aumenta de cotação. Halfway to sanity (1987) volta agora às lojas brasileiras (as online e as que resistem), e no formato CD. Foi o último disco gravado com Richie Ramone na bateria, pouco antes do grupo fazer uma tentativa de colocar o ex-Blondie Clem Burke para substituí-lo.
Dizer que “o disco tal dos Ramones foi marcado por brigas durante a gravação” é chover no molhado, ainda mais em se tratando de uma banda que tinha o intransigente Johnny Ramone como guitarrista. Halfway, décimo álbum da banda, lançado originalmente em 15 de setembro de 1987, por sua vez, é um caso à parte: a porrada comeu antes, durante e depois. Para começar, em janeiro daquele ano, o grupo baixou em São Paulo para três shows – o primeiro deles terminou em briga generalizada provocada por skinheads.
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- Temos episódios do nosso podcast sobre Ramones e Blondie.
No meio das gravações, Joey e Johnny Ramone, inimigos íntimos, não se entendiam. O produtor Daniel Rey tinha problemas de comunicação com boa parte da banda. Dee Dee Ramone (ainda no baixo do grupo), passava boa parte do tempo doidão, não conseguia se comunicar com ninguém e – dizem – teve suas partes de baixo tocadas por Rey. Pessoas que lidavam com os Ramones de perto dizem que a banda já estava de saco cheio de trabalhar feito louca, gravar um disco por ano e não ser reconhecida, com direito a amigos da onça perguntando a eles “quando a banda iria estourar”.
E aí que Halfway soa insano, embora sob controle. Curtíssimo (12 músicas em 30 minutos e uns quebrados), o álbum traz os Ramones fazendo algumas incursões pelo hard rock e pelo hardcore, com direito a vocais berradíssimos de Joey Ramone em faixas como I know better now, a agitada Weasel face (na qual a voz do cantor chega a lembrar a de Alice Cooper) e o skate punk legítimo I’m not Jesus. O grupo chega perto do pós-punk gótico em Garden of serenity, adere ao som tribal na onda do Public Image Ltd em Worm man, e soa revivalista na balada Bye bye baby (com cara de canção de girl group, e escrita, claro, por Joey) e no rock vintage Go lil Camaro go, marcado por uma apagada participação de Debbie Harry.
1987 foi um ano de três bateristas para os Ramones: com Halfway em curso, Richie saiu brigado da banda, e deu lugar para Clem Burke – jornalistas lançaram a piada de que ele adotaria o nome Clemmy Ramone, mas ficou mesmo como Elvis Ramone. Não deu certo e após dois shows confusos, Marky Ramone, que estava afastado da banda desde 1983, retornou. Hoje, vale a redescoberta.
Nota: 7,5
Gravadora: ForMusic (no Brasil)
Crítica
Ouvimos: Nick Lowe e Los Straitjackets, “Indoor safari”
- Indoor safari é o novo disco do cantor, compositor e produtor britânico Nick Lowe. Um artista cuja carreira vem desde meados dos anos 1960, mas que se notabilizou a partir dos anos 1970, primeiro como integrante das bandas Brinsley Schwarz e Rockpile, depois como artista solo lançado por gravadoras como a indie Stiff e a indie-major Radar.
- O disco é uma compilação de gravações feitas ao longo de dez anos por Lowe com a banda retrô-lounge-surf Los Straitjackets, que sempre se apresenta disfarçada por máscaras de wrestling. O cantor e o grupo já haviam lançado um álbum ao vivo em 2016.
- Indoor safari sai pelo selo Yep Roc, iniciado em 1997 e cujo elenco já teve de Fountain Of Wayne a Bob Mould e Gang Of Four.
Figurinha indispensável dos anos 1970, brilhante como cantor, compositor e produtor, rei da transição entre pub rock, punk e new wave (seu som passa pelos três estilos)… Nick Lowe é aquele cara que provavelmente, no Brasil, muita gente conhece sem conhecer. Volta e meia ele é citado por aí como nomão influente, artistas como Elvis Costello já trabalharam com ele, e sua discografia, além de já ser bem extensa, inclui músicas que volta e meia rolam no rádio até mesmo no Brasil, como So it goes, Crackin up e Cruel to be kind.
Drogas e problemas pessoais deixaram a história de Nick mais conturbada, mas ele nunca parou. De qualquer jeito, a carreira discográfica de Lowe meio que ficou no para-e-anda depois de 2013, quando ele lançou Quality street, disco de Natal. Em compensação, ele saiu em turnê para divulgar o álbum ao lado de uma banda chamada Los Straitjackets, uma banda da mesma gravadora que ele (Yep Roc), dedicada a rock extremamente vintage – surf music, rockabilly e coisas próximas do bubblegum – com cada integrante usando uma máscara de wrestling.
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Isso aí era Lowe, que já foi visto como um revisionista futurista, voltando-se para um som clássico de rock, ao lado de uma galera bastante animada. Tão animada que o enrosco com a banda rendeu turnê e alguns singles. E agora rende uma espécie de coletânea expandida, Indoor safari, com os compactinhos que ele vem gravando ao lado dos Straitjackets, mais três músicas inéditas. Uma das novas canções, a surfística Went to a party, surge na abertura soando como o Who ou os Kinks dando vida nova a uma canção dos anos 1950 – ou alguma música perdida de bandas como Kingsmen ou Rivingstones.
Indoor safari não é um disco “novo”, mas isso não o torna menos valoroso. Os Straitjackets e Lowe fazem um disco de rock quase 100% autoral que poderia ter saído em 1961 ou 1962, com músicas que, se tivessem sido feitas naquela época, estariam no set list do show dos Beatles em Hamburgo, ou entre as releituras dos primeiros discos deles. De qualquer jeito, há dois covers, A quiet place, de um grupo chamado Garnett Mimms & The Enchanters, original de 1964; e Raincoat in the river, gravada originalmente por Ricky Nelson.
O clima lounge prometido pela foto da capa surge amplificado em músicas como Love starvation, a tristezinha rocker de Crying inside, a maravilha meio Motown meio Beatles Jet pac boomerang (encerrada com uma citação de Please please me, dos quatro de Liverpool), a selvageria rocker de Tokyo bay e a bateção irresistível de violão e guitarra de Trombone. Cada riff de guitarra soa como anúncio de duelo, numa onda meio surf rock de faroeste. Ouça no volume máximo.
Nota: 9
Gravadora: Yep Roc
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