Destaque
Joe Strummer: “Não gosto de música”

O Clash, para vários fãs e críticos, acabou mesmo em 1983. E de modo geral o show da banda no US Festival (você já leu sobre isso no POP FANTASMA) é tido como o canto do cisne. Depois disso, o grupo, sob a liderança de Joe Strummer e Mick Jones, passou a ter mais atritos internos do que foi possível aguentar.
A formação sentiu os baques. Topper Headon, o batera, foi desligado por causa de sua (bastante séria) dependência de heroína. Terry Chimes, que já havia sido baterista da banda em duas outras ocasiões, entrou para a cozinha por alguns meses, não aguentou o rojão das brigas e logo foi substituído por Pete Howard. O tal show do US Festival, já com Howard, foi marcado por esporros do Clash na plateia, turbulência nos bastidores e reclamações da própria banda com a equipe de produção por causa do alto preço dos ingressos.
Os líderes Strummer e Jones mal se falavam e mantinham um relacionamento tão tóxico que (conta-se) deprimiam todo mundo ao redor, com o primeiro dizendo que era impossível trabalhar com o segundo. “Ele não aparecia nunca, e quando aparecia, era como a Elizabeth Taylor de mau humor”, chegou a afirmar Strummer. O baixista Paul Simonon também não estava se dando bem com Mick Jones. Quando a coisa chegou num ponto em que nada funcionava, a equipe do grupo foi trocada e Jones foi expulso da banda.
QUINTETO
Restaram a Strummer (que tempos depois reatou a amizade com o ex-colega) a companhia de Simonon e Howard. E a obrigação de arrumar guitarristas para tapar o enorme buraco deixado por Mick Jones. Entraram os guitarristas Vince White e Nick Sheppard (da banda Cortinas). Começou aí uma fase “quinteto” do Clash que rendeu um disco cagado (Cut the crap, de 1985, um daqueles álbuns que é preciso fazer força para defender) e uma turnê, Out of control, autofinanciada e meio turbulenta.
Combat rock (1982, último disco do Clash com Mick Jones) tinha feito um baita sucesso, estourado uma insólita dance track (Rock the Casbah) e levado críticos musicais a compararem a banda punk britânica com o Fleetwood Mac. Já Cut the crap, que só sairia no fim da tal tour de cinco integrantes, era o propalado retorno às raízes punk da banda (numa época em que as inovações no estilo vinham do hardcore e do pré-grunge) e a negação de tudo o que vinha acontecendo com o Clash, ainda que muita grana estivesse envolvida.
JOE STRUMMER NO MICROFONE
Como Jones não estava mais no grupo, as brigas de ego entre ele Strummer tinham desaparecido. Em compensação, os integrantes da banda precisavam lidar com o vocalista falando pelos cotovelos em entrevistas, sobre temas como drogas, corrida armamentista, Ronald Reagan, Margareth Thatcher, rock, música pop (dizia detestar a onda new romantic) e vários outros assuntos.
A quem perguntasse sobre o que representava o show novo, o músico dizia que era “o primeiro de muitos” e que “viemos para voltar para as raízes do punk”. Dizia também que o rock voltara a ficar superproduzido e que nada que ele ouvia nos últimos tempos se comparava a um álbum de Bo Diddley (tem um pouco sobre isso no livro We are Clash, de Mark Andersen e Ralph Heibutzki).
NA TV
Em 1984, no meio da turnê Out of control, ainda sem disco novo lançado, o Clash foi parar na Noruega para uns shows e rolou esse papo com a band… na verdade com Joe Strummer, que andava meio injuriado com o mainstream do rock. Bem antes de debates sobre se o-rock-acabou-ou-não, ele dizia que o rock era a única música que a juventude ouvia.
O músico dizia que a banda tinha a missão de produzir “rock rebelde” para as pessoas e alçá-la ao mesmo patamar da “música que não tem sentido, como o heavy metal e a ‘música de maquiagem’ da Inglaterra” (a onda new romantic, enfim, era a vítima do roqueiro de carteirinha da época). “Não podíamos fazer isso com Mick Jones porque ele jamais viria para Oslo numa noite chuvosa de quinta”, disse, espetando o amigo. “E ele estava contente com a situação de sucesso de Combat rock”, completou Simonon.
Já Strummer encarou uma pergunta sobre se era mais importante ser um cara rebelde ou um roqueiro da seguinte forma. “Não, eu não gosto de música, ela não é meu ponto”, disse. “O que conta é o quanto de espírito e inteligência você põe nisso, e se tem algum significado, o quanto você se comunica com outras pessoas. Se você consegue se comunicar de verdade com outras pessoas, é quando elas falam que você faz parte da melhor banda de rock do mundo. Tudo que estamos tentando fazer é comunicar algo para as pessoas”.
PROCURAMOS INDEPENDÊNCIA
Se você tem curiosidade de saber o que o Clash tinha vontade de comunicar às pessoas na época, Strummer diz em seguida, dando a entender que o Clash estava cada vez mais com vontade de ciscar no terreno do Dead Kennedys e de outras bandas bem mais radicais.
“Em primeiro lugar, queremos comunicar que você passou por lavagem cerebral desde que nasceu. Em segundo lugar, dá muito trabalho pensar por conta própria e queremos comunicar que o destino está nas nossas mãos, e que o principal é a independência. O que conta para qualquer grupo novo é a independência. Estamos nessa turnê sem um disco lançado e no mercado da música, você não vai nem à porta de casa sem um disco para lançar”, contou o músico.
Você acompanha o papo inteiro (com legendas – boas – em inglês) aí em cima. O Clash na verdade ainda tinha contrato com a CBS, e deu uma sofrida com a turnê Out of control, incluindo aí problemas de grana, críticas negativas, desafinações dos novos músicos (que ainda se adaptavam ao grupo) e mudanças bruscas e arriscadas de repertório – o mega-hit Should I stay or should I go foi tirado do set list porque Joe Strummer assim quis. O saudoso Strummer, que contou com a banda meio americana meio mexicana Los Lobos como atração de abertura, ainda aproveitou os holofotes para acusar a MTV de racismo por boicotar artistas negros. O Clash seguiu nesse clima combativo até o fim, em 1986.
Mais The Clash no POP FANTASMA aqui.
Tem conteúdo extra desta e de outras matérias do POP FANTASMA em nosso Instagram.
Cultura Pop
Quando Suicide gravou… “Born in the USA”, do Bruce Springsteen

A way of life, disco de 1988 da dupla de música eletrônica Suicide, é tido como um disco, er, acessível. Acessível à moda de Martin Rev e Alan Vega, claro. O disco pelo menos podia ser colocado tranquilamente na prateleira dos artífices da darkwave e era bem mais audível do que o comum de um grupo que havia lançado a assustadora Frankie teardrop. O disco era produzido por Ric Ocasek, líder dos Cars (que já havia produzido o segundo disco deles, de 1981, Alan Vega/Martin Rev), e tinha até uma eletro-valsinha, Surrender, além de um estiloso misto de rockabilly e synthpop, Jukebox baby 96.
O que ninguém esperava era que a dupla tivesse feito nessa mesma época uma estranhíssima versão de… Born in the USA, de Bruce Springsteen. A faixa surge numa versão ao vivo, gravada num show de Vega e Rev em 1988, em Paris. A dupla nem sequer disfarçou que a ideia era fazer uma versão bem lascada – saca só o sintetizadorzinho da música, e a referência a músicas como Lucille, de Little Richard, e o tema When the saints go marching in, logo na abertura. A “versão” da faixa resume-se a quase nada além do título da canção. Parece um karaokê do demo (e é).
A versão poderia ser uma bela pirataria, mas vira oficial nesse mês: vai aparecer em uma reedição de A way of life, prevista para o dia 26. A edição de luxo estará disponível em vinil azul transparente com Born in the USA e em CD com quatro faixas bônus, além do formato digital. O material extra inclui versões ao vivo de Devastation e Cheree, bem como uma versão inicial de estúdio de Dominic Christ. O pesquisador Jared Artaud encontrou as faixas enquanto trabalhava no arquivo de Vega, após a morte do cantor em 2016.
E se você não sabia, vai aí a surpresa: Springsteen tá bem longe de ser um sujeito que diria “what?” ao ser informado da existência do Suicide. Pelo contrário: era fã da dupla e costumava dizer que a estreia do Suicide, o disco epônimo de 1977, era “um dos discos mais sensacionais que já ouvi”. Em 1980, o cantor esteve com a dupla e Vega descobriu que Springsteen era seu fã – e se surpreendeu.
“Ele estava gravando o disco The river (1980) e nós estávamos gravando nosso segundo álbum em Nova York. Então tivemos uma reunião de audição do nosso álbum. Havia três ou quatro figurões da nossa gravadora, e Bruce também estava lá. Depois que tocamos o álbum, houve um silêncio mortal… exceto por Bruce, que disse, ‘Isso foi ótimo pra caralho.’ Ele fazia questão de nos dizer o quanto nos amava”, contou em 2014 ao New York Post.
Mais: um texto do site Treblezine, a partir de audições da obra de Bruce e de entrevistas do Suicide, descobre: a dupla influenciou muito o sombrio disco Nebraska, tido como o “primeiro disco solo” (sem a E Street Band) de Springsteen (1982), basicamente um disco sobre crise, desemprego e gente à beira do desespero pela falta de oportunidades. Houve uma versão elétrica e pesada de Nebraska, mas Bruce quis lançar o disco acústico, de voz, violão e registros crus, e que de fato lembram o clima esparso do Suicide do primeiro disco.
Na dúvida, ouça State trooper, cujos uivos lembram bastante os gritos (sem aviso prévio) de Frankie teardrop. “Lembro-me de entrar na minha gravadora logo após o lançamento do meu disco”, disse Vega depois de ouvir State trooper pela primeira vez. “Eu pensei que era um dos meus álbuns que eu tinha esquecido. Mas era Bruce!”
Cultura Pop
No podcast do Pop Fantasma, a fase de transição do Metallica

A morte do baixista Cliff Burton, em 27 de setembro de 1986, desorientou muito o Metallica. Além do que aconteceu, teve a maneira como aconteceu: a banda dormia no ônibus de turnê, sofreu um acidente que assustou todo mundo, e quando o trio restante saiu do veículo, só restou encarar a realidade. A partir daquele momento, estavam não apenas sem o baixista, como também estavam sem o amigo Cliff, sem o cara que mais havia influenciado James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett musicalmente, e sem a configuração que havia feito de Master of puppets (1986) o disco mais bem sucedido do grupo até então.
Hoje no Pop Fantasma Documento, a gente dá uma olhada em como ficou a vida do Metallica (banda que, você deve saber, está lançando disco novo, 72 seasons) num período em que o grupo foi do céu ao inferno em pouco tempo. O Metallica já era considerado uma banda de tamanho BEM grande (embora ainda não fosse o grupo multiplatinado e poderoso dos anos 1990) e, justamente por causa disso, teve que passar por cima dos problemas o mais rápido possível. E sobreviver, ainda que à custa justamente da estabilidade emocional de Jason Newsted, o substituto do insubstituível Cliff Burton…
Nomes novos que recomendamos e que complementam o podcast: Skull Koraptor e Manger Cadavre?
Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts.
Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Estamos aqui toda sexta-feira!
Destaque
Dan Spitz: metaleiro relojoeiro

Se você acompanha apenas superficialmente a carreira da banda de thrash metal Anthrax e sentia falta do guitarrista Dan Spitz, um dos fundadores, ele vai bem. O músico largou a banda em 1995, pouco antes do sétimo disco da banda, Stomp 442, lançado naquele ano. Voltaria depois, entre 2005 e 2007, mas entre as idas e as vindas, o guitarrista arrumou uma tarefa bem distante da música para fazer: ele se tornou relojoeiro (!).
A vida de Dan mudou bastante depois que o músico teve filhos em 1995, e começou a se questionar se queria mesmo aquela vida na estrada. “Fazíamos um álbum e fazíamos turnês por anos seguidos, e então começávamos o ciclo de novo – o tempo em casa não existia. É uma história que você vê em toda parte: tudo virou algo mundano e mais parecido com um trabalho. Eu precisava de uma pausa”, contou Spitz ao site Hodinkee.
>>> Veja também no POP FANTASMA: Rockpop: rock (do metal ao punk) na TV alemã
Na época, lembrou-se da infância, quando ficava sentado com seu avô, relojoeiro, desmontando relógios Patek Philippe, daqueles cheios de pecinhas, molas e motores. “Minha habilidade mecânica vem de minha formação não tradicional. Meu quarto parecia uma pequena estação da NASA crescendo – toneladas de coisas. Eu estava sempre construindo e desmontando coisas durante toda a minha vida. Eu sou um solucionador de problemas no que diz respeito a coisas mecânicas e eletrônicas”, recordou no tal papo.
Spitz acabou no Programa de Treinamento e Educação de Relojoeiros da Suíça, o WOSTEP, onde basicamente passou a não fazer mais nada a não ser mexer em relógios horrivelmente difíceis o dia inteiro, aprender novas técnicas e tentar alcançar os alunos mais rápidos e mais ágeis da instituição.
>>> Veja também no POP FANTASMA: Discos de 1991 #9: “Metallica”, Metallica
A música ainda estava no horizonte. Tanto que, trabalhando como relojoeiro em Genebra, pensou em largar tudo ao receber um telefonema do amigo Dave Mustaine (Megadeth) dizendo para ele esquecer aquela história e voltar para a música. Olhou para o lado e viu seu colega de bancada trabalhando num relógio super complexo e ouvindo Slayer.
O músico acha que existe uma correlação entre música e relojoaria. “Aprender a tocar uma guitarra de heavy metal é uma habilidade sem fim. É doloroso aprender. É isso que é legal. O mesmo para a relojoaria – é uma habilidade interminável de aprender”, conta ele. “Você tem que ser um artista para ser o melhor – seja na relojoaria ou na música. Você precisa fazer isso por amor”.
>>> POP FANTASMA PRA OUVIR: Mixtape Pop Fantasma e Pop Fantasma Documento
>>> Saiba como apoiar o POP FANTASMA aqui. O site é independente e financiado pelos leitores, e dá acesso gratuito a todos os textos e podcasts. Você define a quantia, mas sugerimos R$ 10 por mês.
-
Cultura Pop4 anos ago
Lendas urbanas históricas 8: Setealém
-
Cultura Pop5 anos ago
Lendas urbanas históricas 2: Teletubbies
-
Notícias7 anos ago
Saiba como foi a Feira da Foda, em Portugal
-
Cinema7 anos ago
Will Reeve: o filho de Christopher Reeve é o super-herói de muita gente
-
Videos7 anos ago
Um médico tá ensinando como rejuvenescer dez anos
-
Cultura Pop8 anos ago
Barra pesada: treze fatos sobre Sid Vicious
-
Cultura Pop6 anos ago
Aquela vez em que Wagner Montes sofreu um acidente de triciclo e ganhou homenagem
-
Cultura Pop7 anos ago
Fórum da Ele Ela: afinal aquilo era verdade ou mentira?