Entrevista
Entrevista: Érika Martins fala sobre a volta da Penélope e relembra a época da banda na Sony Music
Nos anos 1990, o mercado musical era aquecido o suficiente para garantir que bandas de estatura indie volta e meia seriam pinçadas por grandes gravadoras – as quais, quase sempre, não sabiam o que fazer com elas. Quem ficava, era porque correspondia ao que o mainstream esperava. Uma turma enorme sobrava. A Penélope, banda cuja frontwoman era Érika Martins, ficou a meio caminho das duas coisas: conseguiu gravar dois álbuns pela multinacional Sony Music, teve airplay razoável com músicas como Holiday, ganhou vários fãs e aproveitou a maré como pôde, antes que a gravadora desistisse totalmente do grupo. Um equilíbrio quase perfeito entre sucesso na mídia (especialmente na MTV, que exibiu bastante a banda) e ralação underground, que deu experiência a Érika para tocar sua carreira solo e se dividir em vários projetos.
Para comemorar os 25 anos da estreia Mi casa, su casa (1999), a Penélope retorna com formação modificada: além de Érika no vocais, guitarra e teclados, estão hoje no grupo Fernanda Offner (baixo), Carol Lima (bateria), Fernando Americano (guitarra) e Luiz Lopez (teclado, escaleta, backings). A estreia da nova turma foi no Rock In Rio do ano passado, mas nas últimas semanas, o grupo vem passando pelos Sescs de São Paulo, num giro que encerra nesta sexta (18) no Sesc Pinheiros. Erika e banda lembram os hits e recebem convidados: a ex-baixista da Penélope Erika Nande, Vanessa Krongold (Ludov) e Otto.
Batemos um papo com Érika Martins sobre sua vida atual – ela se mudou de São Paulo para Minas – e sobre o retorno do grupo para alguns shows. E aproveitamos para relembrar a época em que a Penélope brotou no mainstream do rock brasileiro. Um período de muitas lutas, algumas glórias e vários dissabores, como a janela de um ano entre a gravação de Mi casa, su casa e seu lançamento (“uma tortura!”, lembra ela).
Texto e entrevista: Ricardo Schott – Foto: Leca Suzuki/Divulgação
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Como tem sido morar em Minas Gerais? Eu sempre vim muito a trabalho aqui, né? Mas estou aproveitando para respirar, estar na cidade, sentir realmente a cidade como é, e poder fazer as conexões dos amigos que eu já tenho de tanto tempo. Por exemplo, o pessoal do Skank, que eu já encontrava na época da Penélope, ali na Sony Music, a gente fazia muita coisa junto. Também convivia muito com eles por causa do Tom Capone (produtor da Penélope, falecido em 2004), porque eles ensaiavam na Toca do Bandido (estúdio criado por Tom). A gente também tinha toda essa conexão. Aí, quando eu vim para cá, também retomei esses contatos.
Você tem conseguido interagir com a cena de música de Minas? Eu não sou muito de sair na noite, até porque eu fico mais no meu matinho aqui, mais afastada. Não estou exatamente dentro de BH, estou a 20 minutos de BH, que é no meio do mato. Mas sempre que eu posso, eu vou assistir alguma coisa, vejo shows novos. Tem muita coisa rolando na Autêntica, que é um lugar de show. Às vezes, quando a gente vai, tem bandas de abertura. Aí eu acabo conhecendo umas novas coisas que estão rolando. Mas quando eu estou por aqui, que eu não estou na loucura de São Paulo, ou do Rio, trabalhando, eu tenho procurado mais curtir e ficar em casa mesmo.
Me fala um pouco desses shows que você está fazendo. Eles são da sua carreira solo? Ou é a continuação daquele retorno da Penélope que rolou no Rock In Rio? É a Penélope, sim! Começou ali com o Rock in Rio, porque a ideia toda surgiu, Ricardo, na pandemia. Porque eu, na verdade, eu nem pensava em fazer nada com a Penélope mais. Aí na pandemia, ali no meio daquelas lives todas que eu estava fazendo, entrevista, eu comecei a ver o quanto a Penélope realmente tinha essa importância para muita gente.
As pessoas pediam para eu tocar as músicas, e tinha coisas que eu nem lembrava, que eu só tinha tocado lá 20 anos atrás e não tinha tocado mais. Comecei a mexer nessas músicas e bateu tão bem – me senti de novo dentro daquela roupa, da personagem, da Penélope. É onde eu estou melhor me encaixando agora. Eu fiquei com um pouco de medo no primeiro show, “será que eu vou me encaixar?”. E aí eu vi que, nossa, veio tudo, super. Porque assim, com amadurecimento, com um conhecimento melhor de palco, da minha voz… Então estou muito mais à vontade no palco e está uma delícia de fazer. E foi uma ideia da pandemia, quando eu via os depoimentos que as pessoas mandavam sobre as músicas.
Como eram os depoimentos? Aparecia gente falando “essa música salvou minha vida em determinado momento”, “essa aqui eu escutava no disco”, etc. Eu realmente me emocionava, chorava ali junto com todo mundo. E me deu essa vontade de mexer de novo naquilo. Aí eu entrei em contato com todo mundo da Penélope. A gente passou por várias formações, e fui conectando aquelas pessoas. Só que cada um está num caminho diferente: o Mario Jorge (bateria) está em Salvador, a Fifi, que foi a última baixista da Penélope, está morando nos Estados Unidos…
A Erika Nande, que é baixista do Mi casa su casa, está morando em São Paulo. É uma pessoa que eu tenho até mais contato, que eu encontro muito com ela, mas ela não está mais no clima da estrada. Disse que pode fazer participação em algum show. A Constança (ex-tecladista, hoje sócia do Toca do Bandido) também disse que poderia participar de algum show… E logo depois, na sequência, o Luizão (guitarrista) faleceu.
Eu tenho reparado, é uma coisa que eu comento muito hoje em dia, que a estrada não é todo mundo que encara. É dureza mesmo. Eu estou aí quase 30 anos de carreira na estrada, viajando, fazendo show, falo que gosto até daquele cheiro de pão de queijo do aeroporto (risos). Na época da Penélope eu era a que mais curtia. Eu sempre, desde criança, fui de mudar muito, viajar muito. O pessoal já não gostava tanto de estrada, tanto que todo mundo já tinha saído na última formação da Penélope. Daí pensei: se quero mexer no repertório da banda, tenho que ver quem vai me acompanhar.
E aí você chegou nessa formação, que tem até o Luiz Lopez, que tocou por vários anos com o Erasmo Carlos… Ele foi uma das primeiras pessoas que eu pensei. A gente já tinha se encontrado de vista, porque ele frequentava os shows da Penélope. Mas a gente se conheceu mesmo numa vez em que eu fui cantar com o Erasmo no Video Music Brasil – era a primeira vez que eu cantava com ele, eu estava só pensando “não acredito, é o Erasmo, meu ídolo!”.
E aí o Luiz chegou para mim e começou a falar isso para mim: “Erika, não acredito que eu vou tocar com você. Eu estava em todos os shows da Penélope, você me influenciou muito como compositor também!” (risos). Para mim, deu aquele click, assim, de… “nossa, como tudo é cíclico!” . Uma geração vai influenciando a outra. Eu estou ali falando do Erasmo, o Luiz está vindo falar de mim. Naquela época mesmo ele já tinha falado: “olha, se aparecer um revival da Penélope quero estar junto!”.
E agora rolou! Sim, e imagina, ele falou isso lá atrás. Fiquei com isso na cabeça, a gente sempre se encontrava – ele com o Erasmo e eu solo – e ele lembrava disso. O Luiz foi a primeira pessoa em quem eu pensei. Ele conhece todo o repertório, sabe tocar todas as músicas da Penélope. E é uma pessoa querida. Convivência na estrada não é fácil – então tem que ser gente fácil de conviver. Só que quando montei a banda, falei: “Luiz, não sei se vai ser a sua praia, porque o Fernando Americano, meu marido, já toca guitarra na banda. Você se importa de tocar teclado?”. Pensei numa escaleta para fazer as flautas. Ele comprou a escaleta e ainda falou: “já tirei todas as músicas!” (risos).
Na formação tem também a Fernanda Offner, que já tocava baixo no meu trabalho solo e é minha amiga há mais de dez anos. E a Carol Lima, do Fuzzcas, tá na bateria – ela tem também uma relação enorme com a Penélope. Ela estava até me contando esse final de semana, que a gente tocou: “poxa, eu e Luiz estávamos compondo uma vez e falamos: ‘ah, nessa música quero fazer uma coisa tipo Penélope’. Sempre tive essa influência”. E eu acho que isso é o mais importante. Pra encaixar nessa história, tinha que ser um pessoal que realmente tivesse vivido a banda, que entendesse o que realmente era a Penélope.
Tem alguma música nova ou planos para alguma gravação? Então, a gente nem pensou nisso ainda. Fomos emendando um projeto que começou no Rock In Rio – foi o primeiro show da turnê de 25 anos. E aí a gente já tá fazendo uma série de outros shows. Eu tô compondo muito, muito mesmo pro meu solo. Tô cheia de coisa agora pra lançar, inclusive composições com a Virginie, do Metrô, além de outras parceiras. Mas pode ser que apareça algo da Penélope. Pode vir um disco ao vivo, com esse repertório dos 25 anos… De qualquer jeito, estamos mais focados nos shows mesmo.
Voltando ao passado da Penélope, como foi aquela passagem de vocês pela Sony? Lembro que o Mi casa su casa demorou quase um ano para sair… Nossa, esse período de um ano foi uma tortura, né? Porque a gente saiu de Salvador, a banda foi pro Rio de Janeiro, ficou quatro meses gravando… A Sony injetando muito dinheiro na gente, e ninguém ainda entendia nada ainda do mercado, todo mundo verde naquela história. Então eles injetaram uma grana pesada e depois a gente foi um ano na geladeira! Sumiu o dinheiro pro lançamento.
Pra mim a conta não fechava. Eu não entendia: eles tiveram grana para colocar a gente no melhor estúdio do Rio de Janeiro, deram uma estrutura, pagaram um apartamentaço para a banda morar enquanto gravava… Mas a tortura maior foi voltar para Salvador sem perspectiva nenhuma de lançamento e sem cair na estrada. Eu não pensava como penso hoje: depois depois de tudo isso que eu passei, amadureci muito nisso. Sei que não dá para esperar nada de ninguém, e que é preciso correr por fora, comer pelas beiradas, fazer acontecer. Mas na época a gente não imaginava, então a gente ficou esperando. Eu fiquei sem compor, nem tinha ânimo de escrever nada.
E antes do disco sair, você participou de A mais pedida, dos Raimundos, certo? Sim, e ela deu um empurrão pro disco sair. E para a Sony… eles se surpreenderam, porque a música era primeiro lugar em todas as rádios, e a gente estava na geladeira. Eles pensaram: “pô, temos um disco dessa menina engavetado. Vamos lançar então para aproveitar, né?”. Tinha gente na gravadora que acreditava na gente: a Alice Pelegatti, a Cristina Dórea – a Alice trabalhava o marketing de forma espetacular. Mas pra gente foi muito difícil, a Penélope era nada ali dentro. Vendemos 50 mil discos, mas a gravadora era grande demais para essa vendagem.
Eu lembro de ter pensado: se a gente estivesse numa gravadora como a Trama seria melhor, porque lá, se você vende 50 mil, vira o top da firma. E a gente na Sony era nada. A gravadora não botou grana em cima, não teve 500 mil de jabá, nada disso. Foi assustador, porque na gravação do Mi casa su casa, tivemos tudo.
Mas ainda teve um segundo disco, o Buganvília, também pela Sony. Como foi isso? Eles tiveram que fazer o disco, porque a gente tinha um contrato, né? O Buganvília eu acho o melhor disco da Penélope, inclusive. Foi um disco amadurecido na estrada, muitas das composições surgiram com a gente fazendo turnê no Sul, eu escrevendo ali no ônibus. Veio um disco mais forte mesmo, eu até já estou cantando muito melhor do que no primeiro disco. Mas a Sony não apostou muito, era difícil para eles entenderem o conceito da Penélope, e a gente era uma mistura muito grande de coisas: bubblegum, Jovem Guarda, uma coisa de MPB e de música do Nordeste que eu tenho… De vez em quando eu escuto umas coisas ali, eu falo: “nossa, isso aí tem muito de Geraldo Azevedo, de coisas que eu escutava na Bahia e gostava”, fora as coisas do indie, Sonic Youth, Pavement. Teve um sucesso ali com Caixa de bombom, Ciranda da bailarina, mas parou por ali.
Tem muita coisa que vocês faziam que era numa onda dream pop, que pega muita coisa que está sendo feita hoje. Você percebe influência do som de vocês em bandas nacionais atuais? E outra coisa: você não pensa que seria legal que a Penélope tivesse surgido hoje, num momento em que há um cenário mais independente, e até mais compreensivo com esse tipo de som? Não, não penso isso… Eu nem sou essa pessoa saudosista, ou que fica ressentida. Para mim o melhor está por vir, sempre. Acho sempre que ainda vou produzir uma coisa mais legal. Mas em relação à influência… eu não só sinto e vejo, como escuto as pessoas me falando. O Gorky do Bonde do Rolê estava nos shows, lembro de ter visto ele adolescente na plateia – ele tinha filmagem de todos os shows nossos. Tem também essa história do Luiz Lopez. E fazendo esses shows, vi que a Penélope não ficou datada. Tem muita gente conhecendo agora e ficando surpresa, assim: “nossa, como eu não escutei isso antes?”
Como você tá vendo o universo dos shows no pós-pandemia? Para mim a melhor coisa de todas é que os shows estão começando cedo. A gente estava falando disso outro dia na estrada: tinha show que começava de madrugada, três da manhã… Aí você ia dormir e acordava meio-dia! Na pandemia eu passei a dormir dez da noite e a acordar 7h da manhã. Entrei nessa vida e estou até hoje. Quando tudo voltou, pensei: “cara, será que vou me encaixar de novo naquele mecanismo de dormir quatro da manhã e acordar uma da tarde?”. E aí os shows passaram a ser mais cedo. A gente tá fazendo muito Sesc, que já é cedo naturalmente. Acho que tem a ver com a violência nas capitais também… as coisas estão ficando mais cedo. Eu me lembro que quando ia fazer turnê lá fora, era uma delícia, estava no hotel deitada na cama bem cedo. Mas aqui no Brasil sempre foi esse ritmo louco.
Então o principal para mim é que tudo está mais cedo, e a galera também está sedenta pelos shows. No caso da Penélope, as pessoas têm ido aos shows também pela memória afetiva. Antes mesmo da turnê, a gente fez um esquenta em São Paulo e quando cheguei no palco, tinha gente na plateia chorando, segurando uma faixa! Ai eu já me segurei pra não chorar (risos) e o Luiz disse que também ficou se segurando, porque ele se via naquelas pessoas. É muita emoção pra todo mundo.
Depois desse show de hoje, como está a agenda da banda? Algo marcado para o Rio? E seu disco solo, já tem data pra sair? Até agora nada no Rio, mas estamos pensando em possibilidades. Eu queria fazer esse circuito dos Sesc, fiz até algumas vezes com Lafayette e Os Tremendões. Meu disco eu nem sei se vai virar um disco mesmo, porque hoje em dia todo mundo meio que voltou para o compacto, os singles. Lancei um single com a Fernanda Takai, foi nossa primeira composição juntas, Céu de planetário. Estou com três músicas compostas com a Virginie, do Metrô. São várias frentes. No sábado (19) vou fazer um show solo no Festival de Inverno de Paranapiacaba (São Paulo) que se chama Vênus. Somos eu e o Fernando no palco, e vamos tocar as músicas que a gente toca aqui em casa, que estão no vídeos que eu posto no YouTube. Começamos a reparar que tem muita música falando de Vênus: tem Venus in furs, do Velvet Underground, Venus as a boy, da Bjork, e isso virou um projeto de show!