Cultura Pop
E agora, Beach Combers?
Como todo mundo viu, os Beach Combers tocaram com Zak Starkey, baterista do The Who, na Praia de Ipanema. Mas ao contrário do que saiu publicado em alguns sites e jornais, Zak – que também é ex-batera do Oasis e (só para completar) filho de Ringo Starr, dos Beatles – não estava andando acompanhado de seguranças quando viu a banda carioca de surf music fazendo seu tradicional show ao ar livre no calçadão de Ipanema, no domingo (24). O guitarrista Bernar Gomma já tinha avistado Zak vendo a apresentação lá da cobertura do hotel Fasano, onde o grupo britânico – que tocara no Rock In Rio uma noite antes – estava hospedado.
“A gente estava fazendo nosso ‘beach attack’ (pra quem nunca ouviu falar, o Beach Combers toca nas ruas do Rio e, na Praia de Ipanema, faz som aos domingos por volta de 16h20) tradicional e na primeira música eu reconheci o Zak lá no terraço do Fasano, curtindo o show. Estávamos tocando nosso repertório autoral. Na terceira música, ele desceu com a namorada – não sei se é namorada ou esposa – e seguranças. Na hora em que eu tava passando o chapéu entre o público, o cumprimentei. Falei que adorei o show do Who e perguntei se ele não queria se juntar à gente”.
Zak disse que não sabia tocar o repertório deles (“falei ‘just do it!'”, diz Bernar). E acabou tocando com eles Wipe out, clássico da surf music imortalizado pelos The Surfaris. “Depois ele saiu correndo pro hotel, tinha um monte de gente com ele. Logo depois chamaram a gente pra ir lá. Ficamos uma hora e meia no Fasano de papo”.
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Lucas Leão, baterista do grupo que acabou trocando de casaco com Zak. E teve a felicidade de ver o músico tocando com um “Leão” nas costas em Porto Alegre (é a foto lá de cima, clicada por Manu Menezes). Na Praia de Ipanema, lembra de ter feito um sinal para o baterista e, em poucos segundos, ele estava tocando em seu lugar.
“Cara, eu tô sem acreditar até agora, tá até difícil pra te falar. Não acreditava que ele estava sentado na minha bateria”, diz. O máximo que Lucas conseguiu fazer na hora foi iniciar um double drum com ele, tocando na frente do bumbo. “Depois a gente foi tentar mandar mais uma, mas acabou a energia. No final, ele só virou pra gente e falou: ‘It’s all about music!'”, conta.
Mas o melhor viria na sequência. “Ele me abraçou e falou que adorou meu casaco. Imagina, vi o show dos caras e no dia seguinte ele aparece lá e diz que curtiu nosso som. E ainda toca com a gente! Ele ainda disse que meu estilo de tocar lembra o do Keith Moon (baterista do Who morto em 1978 e padrinho de Zak). Muita gente já tinha dito isso, mas, putz, o Zak aprendeu a tocar bateria com o Keith. Disse até que ‘uma banda para ser boa tem que ter um baterista bom e vocês têm isso’. Eu só consegui ficar com cara de babaca!”, brinca Lucas. “A gerente do Fasano nos falou que eu desceu porque gostou mesmo do som, estava comentando isso”.
Se Pete Townshend avisou no palco do Rock In Rio que os fãs iriam sair “despedaçados” dali, Lucas não foi exceção, digamos. “Eu chorei no show! Minha namorada fez um snapchat comigo chorando. Eles terminaram com músicas do Who’s next (1971), que é um disco de cabeceira pra mim. Um amigo do colégio me apresentou e mudou minha vida para sempre”, conta Lucas.
No Fasano, Lucas ganhou o casaco vermelho de Zak, autografado (olha aí em cima). E deu seu casaco para ele. Bernar, ele e o baixista Paulo Madeira, integrantes do grupo, falaram um pouco mais com o músico.
“Eu só pensava que no Dia dos Pais, ele cumprimenta o pai dele, e é o Ringo Starr. E que ele iria chegar em casa falando: ‘Oi, pai, toquei com uma banda na Praia de Ipanema, os Beach Combers'”, brinca Bernar, dizendo que Zak elogiou muito Lucas e Paulo, e se interessou em saber como a banda ligava os equipamentos para tocar na rua.
“E contei para ele”, diz o guitarrista, “que o Paulo tem uma história parecida com a dele no Who. Zak era fã, ia em todos os shows do Who e acabou na banda. Com o Paulo e os Beach Combers foi o mesmo. Acredito que deva ter sido uma experiência e tanto para ele. Imagina, tocar na rua com uma banda… E esse casaco do Lucas agora vai rodar o mundo”. O Who, aliás, chegou a postar em sua página do Facebook um post sobre a jam com o trio carioca e, num papo com o grupo, disse serem fãs dos Beach Combers.
O Rock In Rio acabou sendo algo lucrativo não apenas para quem foi convocado para os palcos Mundo e Sunset, como também para quem deu shows em locais alternativos da Cidade do Rock ou fez aparições especias ou participações em show alheios, como Pabblo Vittar (que surgiu na apresentação de Fergie). Os Beach Combers, que estão preparando um disco novo chamado Beach attack, pra sair em breve em vinil e CD, sequer tiveram tempo de calcular o quanto a aparição de Zak fez bem pra eles.
“A gente vai continuar fazendo nosso trabalho e tem beach attack no domingo no mesmo lugar. É importante as pessoas valorizarem quem toca na rua. A gente vai continuar tocando em qualquer tipo de lugar, e na rua também”, garante Lucas. “Quem sabe a gente toca Substitute, do The Who, nesse próximo show pra fazer uma homenagem”, completa Bernar.
TEM OS BEACH COMBERS E TINHA OS BEACHCOMBERS Como você viu algumas fotos acima, o Who escreveu em sua página: “Como seu tio Keith, Zak se juntou aos Beachcombers”. Uma coincidência une as duas bandas: Beachcombers era o nome da primeira banda do padrinho de Zak, Keith Moon. É o grupo da foto ao lado, catada no Google (Moon, obviamente, é o da bateria). Isso entrou no papo de Zak com o grupo, e a semelhança entre os nomes foi apontada por fãs dos Beach Combers (do Rio) em redes sociais.
“Eu não lembro se a gente já sabia do nome da banda do Keith quando escolheu nosso nome”, conta Bernar. “Escolhemos por causa do lance da surf music e por ser uma gíria de ratos de praia. O beach comber é o cara que é garimpeiro da praia, que vai a procura de relíquias na areia. Mas fica como homenagem porque somos fãs do Keith Moon e do Who. É uma coincidência que não é coincidência”, brinca.
E se você nunca ouviu Beach Combers, pega aí Ninguém segura os Beach Combers, único disco da banda, gravado em 2011 com outra formação (Guzz The Fuzz no baixo).
Crítica
Ouvimos: Joan Armatrading, “How did this happen and what does it now mean”
- How did this happen and what does it now mean é o vigésimo-primeiro disco de estúdio da cantora e compositora britânica Joan Armatrading. A única coisa que ela não fez no disco foi a engenharia de gravação: ela compôs, tocou, cantou, produziu e programou tudo.
- Ao The Guardian, ela explicou o título do disco (“como isso foi acontecer e o que significa agora?”): “Acho que nos tornamos polarizados porque quando você está cara a cara com alguém, coisas como linguagem corporal e contato visual nos impedem de fazer certas coisas. Isso não acontece nas mídias sociais, então se espalha para o mundo real. Não vamos nos livrar de todas as guerras e desentendimentos, mas o título do álbum está perguntando como diabos podemos sair dessa situação em que estamos e como voltamos para um lugar melhor”.
Descobrir, sem estar esperando, que Joan Armatrading lançou um novo álbum, é uma surpresa enorme. Ver que o disco é um projeto quase inteiramente solo (ela compôs, produziu, tocou e programou tudo sozinha) não chega a ser uma surpresa para quem conhece um pouco da história dela e pelo menos alguns hits e discos clássicos.
No caso de How did this happen and what does it now mean, o estilo conhecido de pop-rock confessional dela, já a partir do título, vem com um subtexto de sobrevivência e superação. Ainda que algumas histórias contadas nas letras apontem para ressacas amorosas e falsidades do amor em geral, como no pop-rock Someone else e no r&b I gave you my keys (“eu te dei minhas chaves para tudo que eu tinha/você era minha divindade, você governou meu mundo/governou minha terra, governou meu céu/como você pôde me machucar tanto?”).
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Já o blues-rock-soul percussivo I’m not moving põe violência urbana no disco, com Joan recordando as cenas que viu durante um assalto, e levando a história para uma situação em que a minoria tem as maiores cartas na mão (“posso ser pequeno/mas sou poderoso/você pode ser muito mais velho/mas ainda assim eu governo você”). O pop com argamassa soul e musicalidade herdada do folk, especialidade dela, volta em faixas como 25 kisses, Here’s what I know e a faixa-título, que conta outra história de amor que acaba com problemas e dúvidas (“onde está aquela versão de nós mesmos/que nós amávamos, que era tão preciosa/em nosso mundo, em nossos corações?”).
Para quem tem saudades do lado baladão de AM de Joan, registre-se a presença de Irresistible e Say it tomorrow e do gospel Redemption love. No disco novo, ela fez questão de que todos os seus lados musicais convivessem sem problemas, cabendo até dois instrumentais, Now what e Back to forth, nos quais ela se mostra uma excelente guitarrista de blues e rock. Aos 74 anos e sabendo fazer de tudo num estúdio, Joan é o poder, mesmo que falte um certo empoderamento nas histórias amorosas das letras.
Nota: 7,5
Gravadora: BMG
Crítica
Ouvimos: Os Paralamas do Sucesso, “10 remixes”
- 10 remixes traz (como diz o próprio título) dez canções dos Paralamas do Sucesso remixadas. O trabalho foi orquestrado pelo DJ Marcelinho da Lua, que escolheu DJs de diferentes gerações. O trio e o empresário José Fortes também já tinham uma lista com alguns nomes.
- “Tudo começou quando eu estava num show do Paul McCartney em 2013, quando prestei atenção nas inúmeras releituras de músicas dos Beatles feitas por DJs que tocavam antes do Paul subir ao palco. Fiquei pensando como seria legal se fizessem o mesmo com o repertório dos Paralamas”, contou João Barone, baterista da banda, em seu Instagram.
Lançar um álbum de remixes dos Paralamas do Sucesso é uma ideia tão boa que não dá pra entender como ninguém pensou nisso antes. Discos de remixes de um mesmo artista, aliás, costumam sair bem irregulares, além de cometerem verdadeiras atrocidades. Felizmente, 10 remixes saiu legal, e quase tudo pode ser dançado na pista e ouvido em casa sem (muitos) atropelos.
Em Lanterna dos afogados, Mahmundi deu um ar dançante e viajante à música, e inseriu sua voz como parte das novidades da canção – soou tão bem que ela deveria pensar em fazer outras visitas à obra da banda. Ska, com DJ Marky, virou um cruzamento de ska, reggae e drum’n bass. O beco ganhou remix conceitualmente correto (e bom) do Tropkillaz, em clima funk-reggae, com os vocais de Herbert Vianna filtrados e à frente. Selvagem, nas mãos de Daniel Ganjaman, virou reggae-dub.
No 10 remixes, vale também citar o samba-funk-reggae que surge de O amor não sabe esperar (com Paralamas e Marisa Monte), capitaneado por Pretinho da Serrinha e Bossacucanova. Além do synthpop simultaneamente experimental e cheio de balanço de Mulú em Aonde quer que eu vá, e do redesenho drum’n bossa de Marcelinho da Lua em Mensagem de amor.
Por outro lado, Lourinha bombril rendeu menos do que poderia ter rendido nas mãos do Àttooxxá. Ela disse adeus, com Papatinho, virou um batidão funk pequenininho (com pelo menos um minuto a menos que o original) e sem muitos atrativos. E não sei até que ponto a balada stoniana Saber amar tinha que ganhar um remix techno de botar fogo na pista, que foi para as mãos de Ké Fernandes (Groove Delight).
Nota: 8
Gravadora: Universal
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Crítica
Ouvimos: New Order, “Brotherhood (Definitive edition)”
Pode ser algum problema de atenção ou de audição, mas não percebi nenhuma diferença no som dessa edição definitiva de Brotherhood em relação à remasterização “de colecionador” do disco, lançada em 2008 (e vale lembrar que o quarto álbum do New Order, de 1986, já teve seus bastidores recordados aqui mesmo no Pop Fantasma). Dois anos antes do quadragésimo aniversário do Sgt Pepper’s às avessas do grupo, no entanto, a definitive edition lançada pela Rhino é a melhor forma de comemoração, por reunir num só lançamento o antes, durante e depois do álbum.
Resumindo a história em poucas linhas: Brotherhood saiu numa época de transição para o New Order, uma banda cujas vendas ajudavam a dar sustentação ao selo indie britânico Factory, mas que não vivia uma vida de grupo do primeiro time – com direito a shows nos cafundós, camarins zoados e uma certa sombra de desprestígio. O álbum era dividido entre um lado A mais roqueiro e um lado B mais eletrônico. As duas faces eram balizadas por uma espécie de pós-punk-country (Paradise, com letra inspirada nas “canções de partida” do estilo musical) e um futuro clássico dance-pop (Bizarre love triangle).
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- Mais New Order no Pop Fantasma aqui.
- Episódio do nosso podcast sobre eles aqui.
Mas ainda havia no álbum rocks de pista (Broken promise, Way of life), outro pós-punk dançante (Weirdo, com abertura “falsa”), uma canção acústica pop e quase sixties (As it is when it was), dance music ambient (All day long), dance music sombria e lisérgica (Angel dust) e o encerramento com Every little counts, cantada por Bernard Sumner aos risos (ele chega a interromper a música para rir) e fechada com alguns minutos de psicodelia e ruídos.
A nova edição dá som a histórias sempre contadas a respeito do grupo, trazendo por exemplo, as músicas da demo gravada por eles no Japão em 1985, em meio a uma turnê por lá. A versão de State of the nation não é exatamente imperdível, mas a de As it is when it was vale a audição: vem mais tecnopop, sem violão, sustentada pelo baixo agudo de Peter Hook, e com certa cara de The Cure.
Evil dust, que já havia sido lançada na edição de colecionador de 2008, retorna – é uma versão “maligna” de Angel dust, com mais espaço para os vocais da cantora libanesa Dusya Yusin, sampleados de duas músicas de Brian Eno e David Byrne, The carrier e Regiment (ambas do disco My life in the bush of ghosts, de 1981). O material composto pelo New Order para o filme Salvation! (1987), de Beth B, aparece na íntegra, dos temas instrumentais (como as quase progressivas Salvation theme e Sputnik) ao single bem sucedido Touched by the hand of god.
Das inéditas lançadas na nova edição de Brotherhood, tem uma para escutar no último volume: Every little counts aparece em sua lendária versão completa, com alguns minutos a mais de psicodelia ruidosa e assustadora no final, um segundinho de silêncio e… o ruído de toca-discos pulando. Era para ser mais parecido ainda com A day in the life, fechamento do Sgt Peppers, dos Beatles, e era para dar mais sensação ainda de desnorteio. Brotherhood é uma ousadia que ainda permanece atual.
Nota: 9
Gravadora: Rhino
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