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Cultura Pop

Várias coisas que você já sabia sobre Substance, do New Order

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Várias coisas que você já sabia sobre Substance, do New Order

E o mundo descobriu o New Order. Sucesso mundial e presença marcante nas paradas de sucesso no fim dos anos 1980, a coletânea dupla de singles de 12 polegadas Substance (1987) fez os EUA se apaixonarem de vez pelo quarteto de Manchester, deu a cara indie-dance-house definitiva para o grupo, abriu portas para a banda na América do Sul (viriam ao Brasil em 1989) e vendeu horrores. E, ah, fez a Factory, gravadora do grupo, sair um tempinho das dívidas e do atoleiro, já que era justamente a banda de Bernard Sumner (voz, guitarra), Gillian Gilbert (teclados), Peter Hook (baixo) e Stephen Morris (bateria) que sustentava os negócios mal-sucedidos do selo.

A novidade para os fãs do grupo é que Substance (ou Substance 1987, seu nome completo) salta do posto de “figurinha difícil” do álbum da banda para o de disco disponível para qualquer ouvido nas plataformas digitais. Ele agora pode ser escutado na íntegra no Spotify e no Deezer. Pelo menos por enquanto, já que ele já esteve no Spotify por uns tempos e foi tirado de lá, faz uns anos.

E isso aí é o nosso, er, relatório sobre Substance. Leia ouvindo o disco.

ACIDINHO. Substance jamais teria acontecido sem o início da cena de acid house, subgênero da house music surgido (diz a história) nos clubes de Chicago, a partir da união de baterias eletrônicas bem marcadas e do baixo do sintetizador-sequenciador eletrônico Roland TB-303. Isso tudo rolou na segunda metade dos anos 1980.

MAS… Bernard Sumner, vocalista do New Order, põe em xeque o local de origem da acid house: no livro Chapter and verse – New Order, Joy Division and me, ele diz que o nascimento da cena rolou lá por 1987 nos clubes da Inglaterra, mais aproximadamente Manchester e Londres. E também em casas noturnas de Glasgow, na Escócia.

“CASA ÁCIDA”. No Brasil, lá por 1988, 1989, havia grande expectativa pelas próximas descobertas no território da acid house. O estilo aparecia bastante na Bizz (que em novembro de 1989 deu capa ao Bomb The Bass, projeto eletrônico do DJ Tim Simenon), uma pacoteira de LPs lançada pelo selo modernex Stiletto foi amplamente festejada pela imprensa. E, nos grandes centros, pipocavam clubes vendendo “noites de acid house” em que o prato principal eram músicas de ítalo-dance e sons dançantes que passavam longe da proposta do estilo.

ALIÁS E A PROPÓSITO. Até mesmo a Som Livre resolveu, em 1989, faturar em cima da onda, com a coletânea Acid house. Que vá lá, caprichava com músicas de Yazz, S’Express, Coldcut e Jack The Tab – mas entortava a cabeça dos ouvintes incluindo hits pop de Rick Astley e Milli Vanilli.

ECSTASYZINHO. O nome era “acid”, mas a turma preferia outras drogas, ainda segundo Sumner. O cantor do New Order diz não saber direito porque é que a acid house ganhou esse nome, mas desconfia que o crescimento da onda do ecstasy, novo petisco ilícito querido dos frequentadores da cena clubber, ajudou bastante a dar ares psicodélicos aos batidões. “Os sons abafados de baixo, que eram a marca registrada do estilo, soavam fantásticos com uma dose de E, acho”, recordou.

HAÇIENDA. Paralelamente a isso, havia o Haçienda, clube de propriedade de Tony Wilson, criador da Factory, gravadora do New Order – e que era basicamente sustentado pelas vendas enormes dos discos da banda. Wilson dividia a casa com seus sócios na gravadora, Alan Erasmus, Rob Gretton (empresário do NO), além da própria banda. O Haçienda ferveu na era da acid house, era considerada o clube noturno de Manchester ao qual ninguém deveria deixar de ir, e tinha uma noite “de Ibiza” especializada no estilo. Além de uma turma de frequentadores que pegava bastante pesado no ecstasy – tão pesado que a morte, em 1989, de uma adolescente nas dependências do clube, imediatamente relacionada ao uso da droga, desencadeou uma onda de repressão policial na cidade.

VELHOS AMIGOS. Por sinal, o New Order tinha gravado em 1983 uma canção chamada Ecstasy, um instrumental que saiu no disco Power, corruption and lies. Não apenas a música não tinha nada a ver com o assunto “drogas”, como o New Order nem sabia o que era ecstasy. Nessa época, o grupo foi fazer um show em Dallas e foi relaxar num clube, quando soube pelos promotores do show que uma turma da série de TV Dallas também estava indo com a turma para descolar ecstasy na casa noturna. “Ecstasy? O que é isso?”, perguntou o quarteto.

TAVA UMA M… Pouco antes de Substance, a banda encarava a turnê de um de seus discos mais bem sucedidos, Brotherhood (1986), com direito a uma escala na Espanha em que sobraram tretas com o promotor local. Um dos shows foi dado num campo de touradas, e o camarim da banda ficava colado ao imundíssimo camarim do touro. Bernard Sumner riu, Peter Hook não achou a menor graça.

NÃO SÓ ISSO. Em Mollerussa, município espanhol que atualmente tem 14.683 habitantes, tiveram uma dificuldade monstra para achar o pavilhão do show. Chegando lá, descobriram que o camarim não tinha teto e que a segurança, arrumada às pressas, seria garantida por dois times de rúgbi da Catalunha – que eram rivais e passavam boa parte do tempo brigando em pleno trabalho. A situação não andava tão sorridente para o New Order, vamos dizer. E a banda precisava conquistar a América para conseguir sucesso verdadeiro.

E AÍ VEIO… Substance, o disco, lançado em agosto de 1987 pela Factory. A premissa do disco era simples: 1) aproveitar os lados pós-punk e dance do New Order da melhor forma; 2) compilar músicas da banda em versões de singles de 12 polegadas (maiores que os originais e versões comuns); 3) regravar canções antigas da banda (Confusion e Temptation, no caso refeitas para o disco). E, enfim, apresentar o repertório do New Order em definitivo para o público dos clubes, depois do grande hit Bizarre love triangle, de Brotherhood.

DEU CERTO. O grupo platinou nos EUA, Canadá e Reino Unido e conseguiu disco de ouro até no Brasil. O CD, campeão, veio com todo o conteúdo num CD só, mais um disco extra trazendo os lados-B dos mesmos singles compilados no LP original.

NO CARRÃO. Substance veio de um fator meio maluco. Tony Wilson, dono da Factory, queria comprar um carro fantástico, e pediu conselho a Peter Hook sobre que automóvel deveria comprar. O baixista sugeriu um reluzente Jaguar XJ, que vinha com um CD player. Tony, animado com a nova aquisição, informou à banda que gostaria de ter todos os singles do grupo compilados num disco só, para poder ouvir no aparelho. Daí sugeriu ao empresário do quarteto, Rob Gretton, que lançassem canções como Blue monday (single de 12 polegadas mais vendido de todos os tempos), Everything’s gonna green e outras, num só disco (e o NO, só para tornar tudo mais complicado, não tinha lançado vários de seus singles mais bem sucedidos em LP).

NA LONA. Ainda havia outro fator nada amigável: a Factory não andava nada bem das pernas. Tony Wilson, gastando grana com carros do ano, viagens internacionais e outros luxos, era perdulário demais para ser o dono de uma gravadora deficitária. O New Order praticamente sustentava o selo e bancava lançamentos bem menos populares, como o indie insociável do Durutti Column e o jazz-bossa do Kalima. O próprio grupo não andava ganhando tanta grana assim com seus discos e a Factory devia-lhes uma boa soma. Substance ajudaria a equilibrar as contas.

AJUDOU? Não muito, porque a Factory devia realmente muita grana. Para pagar o New Order, a Factory convenceu a banda a assinar um inacreditável acordo dando à gravadora 75% dos direitos do disco (segundo Peter Hook), para que ela pudesse saldar as dívidas com a própria banda. Isso porque Substance foi um sucesso enorme que fez com que, entre 1988 e 1990, New Order virasse mania no mundo todo. E nesse momento, o New Order virou quase sócio do próprio disco, sem saber se ia ter a grana recuperada ou não.

BOTANDO FÉ. O New Order caprichou para que Substance virasse um puta sucesso. Se trancaram até num estúdio com um dos produtores daquele momento, Stephen Hague (OMD, Pet Shop Boys) para fazer uma das melhores faixas da banda, True faith, incluída no disco. O roteiro todo de gravação da música – sucesso de pista até hoje – você acha aqui (em inglês). Mas basta dizer que a banda usou os instrumentos que costumava levar para o palco, e mandou bala em duas joias dos estúdios na época: o sequenciador Yamaha QX1 e o sampler Akai S900.

BOTANDO FÉ NA TOUR. True faith virou o single mais vendido do New Order e pedia uma tour própria, pelos Estados Unidos, na qual a banda dividiria o palco com o Echo & The Bunnymen e com um grupo de abertura, o Gene Loves Jezebel. A atitude rocknroller do GLZ chocou os grupos britânicos, que não eram santos mas achavam aquilo tudo uma cafonice. Peter Hook, em particular, se assustou com a quantidade de garotas no backstage deles, e com o montante de maquiagem e roupas que a banda usava. “Parecia que nós éramos os principiantes”, contou.

EM NEGATIVO. Em 1989, Substance ganhou uma edição especial em vinil duplo na Argentina, Substance II, com capa “em negativo”: fundo preto, letras brancas. O conteúdo era o do CD 2 de Substance, só os B sides.

E O JOY DIVISION? A história com Substance deu tão certo que animou a Factory a produzir uma coletânea similar com o Joy Division, banda da qual o New Order nasceu. A Substance do Joy Division trazia os singles da banda que não saíram nos dois álbuns: Transmission, Komakino, Love will tear us apart e Atmosphere. E também tinha músicas que saíram em EPs e coletâneas da gravadora. Além de uma versão diferente de She’s lost control, do disco Unknown pleasures (1979). O LP era simples, mas como acontecia com o disco do NO, o CD era duplo, com mais músicas.

E DEPOIS? Entre 1987 e 1989, muita coisa mudou na vida do New Order. Com grana no bolso e disposição para experimentar coisas novas, a banda passou a frequentar a cena eletrônica de Ibiza. Descobriu um estúdio (Mediterranean) com bar e piscina, noitadas intermináveis (de 48 horas, mais do que as 24 horas de gandaia de Manchester) e o balearic beat, vertente eletrônica psicodélica e ultrapop das Ilhas Baleares, onde se localizava Ibiza. Viria aí um novo disco, Technique, lançado no comecinho de 1989. Mas aí é outra história.

Veja também no POP FANTASMA:
– Demos o mesmo tratamento a Physical graffiti (Led Zeppelin), ao primeiro disco do Black Sabbath, a End of the century (Ramones), ao rooftop concert, dos Beatles, e a London calling (Clash). E a Fun house (Stooges). E a New York (Lou Reed).
– Demos uma mentidinha e oferecemos “coisas que você não sabe” ao falar de Rocket to Russia (Ramones) e Trompe le monde (Pixies).
– Mais New Order no POP FANTASMA aqui.
– E mais Joy Division no POP FANTASMA aqui.

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Relembrando: Johnny Thunders, “Stations of the cross” (1982/1987)

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Relembrando: Johnny Thunders, "Stations of the cross"

Até mesmo um sujeito com uma vida bem louca como Johnny Thunders (1952-1991) tinha direito a momentos de (suposta) calmaria. O ex-guitarrista dos New York Dolls não teve uma carreira solo das mais constantes – ressurgiu em 1978 no mercado com So alone, um disco entre o punk e o rock básico, com produção de Steve Lillywhite. Entre vícios, retornos e situações de baixa, chegou a morar na Suécia com esposa e filha.

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Foi depois desse período de (vamos dizer assim) calma que surgiu o álbum duplo Stations of the cross, gravado em 1982 durante duas noites no Mudd Club, em Nova York, mas que só chegou às lojas em 1987 – e inicialmente apenas em K7, como parte da série de lançamentos em fitinhas pelo mitológico selo ROIR. Só depois de um tempo, o disco foi lançado em LP e CD (em vinil, saiu uma edição dupla na França em 1991). O disco na verdade traz mesmo é um show de sua banda punk pós-Dolls, os Heartbreakers – já que tem Thunders (voz e guitarra), Walter Lure (guitarra) e Jerry Nolan (bateria), além de um tal de Talarico no baixo.

Stations of the cross quase foi um filme, ou pelo menos a trilha sonora de um. Lech Kowalski, diretor do documentário punk DOA – A rite of passage, e que depois faria Born to lose: The last rock and roll movie sobre a vida do próprio Thunders, queria ter incluído as músicas como trilha do seu filme Gringo – História de um viciado (1987), do qual Johnny teria participado, fazendo o papel nada ambicioso de Jesus Cristo.

Num textinho publicado justamente no encarte de Stations, Lech relatou o quanto foi complicado trabalhar com Johnny. O diretor foi procurar o músico em sua casa e deparou com um apartamento que vivia com a porta permanentemente aberta, com Johnny em estado permanente de torpor. Ao propor o papel a ele, ouviu de Thunders que o único script do qual precisava era uma Bíblia.

Johnny ainda era viciado em drogas – com as filmagens iniciadas, chegou a sair em busca de cocaína e desapareceu por alguns dias do set. Numa ocasião, recusou-se a tocar uma música duas vezes. Ao gravar ao vivo o material que geraria este Stations of the cross, não quis seguir a ordem estabelecida ao lado de Lech. “De fato, ele nunca nem chegou a gravar as canções que eu precisava para o filme”, reclamou o diretor.

A aventura terminou com Thunders, drogado e semi-nu, sendo atendido por paramédicos. A Lech, só restou lamentar: Gringo saiu, mas o diretor desistiu de incluir as passagens de Thunders e decidiu reservá-las para um filme que nunca foi lançado, Stations of the cross. O disco em questão – produzido pelo próprio cineasta – fica então mais ou menos a trilha sonora de um filme que nunca foi lançado, e como uma trilha alternativa de Gringo.

O som de Stations of the cross é básico, formado por uma mescla de clássicos do próprio Thunders, com regravações como (I’m not your) Stepping stone (Paul Revere & The Raiders), Pipeline (The Chantays), Do you love me (Dave Clark Five). Tem também Chinese rocks, canção dividida entre Ramones e The Heartbreakers, cuja autoria costuma ser reclamada pelas duas bandas, e que surge aqui cantada com uma desafinação considerável. O material é complementado por conversas de bastidores e o que parecem ser trechos falados das filmagens.

Nesse papo aqui, Lech detalha um pouco sobre como foi trabalhar com Johnny, um sujeito que ele teve como fonte por alguns anos, e um personagem pelo qual se interessava, mas de quem pessoalmente ele não gostava de jeito nenhum. Quando decidiu fazer Born to lose, sobre Thunders, havia tido um contato rápido com uma das esposas do músico, e conheceu um dos filhos do artista – o garoto estava preso, na ocasião. O lado escroto e babacão de Thunders fica claro em atitudes, imagens e até em letras de músicas (inclusive nesse Stations of the cross, vale informar). Quando acerta, é um clássico do rock.

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Relembrando: Public Image Ltd, “The flowers of romance” (1981)

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Relembrando: Public Image Ltd, "The flowers of romance" (1981)

Keith Levene, guitarrista que se dividiu em vários instrumentos nesse The flowers of romance, chegou a afirmar que o terceiro álbum de estúdio do Public Image Ltd é “provavelmente o disco mais anti-comercial já entregue a uma gravadora”. Faz sentido: The flowers mal pode ser chamado de punk ou pós-punk. Está mais para uma aventura experimental e percussiva, com músicas compostas apenas de voz e bateria (a claustrofóbica Four enclosed walls), voz, percussão, sinos e ruídos (Phenagen), voz, bateria e sons orquestrais tirados com virulência punk (a faixa-título), voz, bateria brutal e ruídos (Under the house).

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O som vai do mais assustador e climático ao mais documental, com sons ciganos e flamencos unidos a uma espécie de “música de selva”, dada pelo som da bateria e pelos vocais de John Lydon. Hymie’s him, com sintetizadores, percussões e batidas de latão, soa “industrial” anos antes de tal termo ficar famoso. Banging the door é um quase reggae que destaca o uso de sintetizadores Moog. Francis Massacre é literalmente um massacre sonoro, trazendo vocais lamentosos, batidas tribais e sons de guerra. A associação com a música e o imaginário hispânico surgem já na capa, que traz Jeannette Lee, empresária, gerente e melhor amiga da banda (e hoje sócia da gravadora Rough Trade), com uma flor na boca, e ameaçando o fotógrafo (e o/a ouvinte do disco) com um pilão.

Curiosamente, mesmo sendo um disco tão anti-pop, The flowers of romance (o nome é o mesmo de uma banda cata-corno punk que surgiu antes dos Pistols, e da qual Keith Levene e Sid Vicious fizeram parte) acabou tendo lá suas dimensões pop. O som da bateria já foi elogiado por Phil Collins (que trabalhou depois com o produtor do disco, Nick Launay), e soa quase como se tivesse sido produzido para cinema, e não para um álbum.

Esse som cinematográfico não rolou por acaso. A turma do PiL (na época, os inimigos íntimos Lydon e Levene, mais o baterista Martin Atkins) aproveitou todos os recursos de um novo brinquedo do empresário Richard Branson: o estúdio The Manor, literalmente um estúdio de ponta construído numa mansão histórica. Antes de começar, foram sete dias (de um total de dez dias agendados) “curtindo” um bloqueio de compositor que travou toda a banda. Jah Wobble, baixista do PiL e sujeito cheio de ideias, saiu pouco antes da gravação, o que piorou um pouco as coisas – por acaso, só duas faixas de Flowers (Track 8 e Banging the door têm o instrumento.

The flowers of romance marcou um período de bons investimentos na banda ainda que não vendessem tanto – 1983 foi inclusive o ano do duplo Live in Tokyo, gravado no Japão, e que rendeu até um homevideo, mania da época. Daí para a frente, era o PiL virando algo mais próximo daquele som que pode até tocar no rádio, mas assusta. E muito.

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Relembrando: Vários, “O espigão – trilha sonora nacional” (1974)

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Relembrando: Vários, "O espigão - trilha sonora nacional" (1974)

Até os dez primeiros capítulos (que foi até onde assisti), O Espigão, novela das 22h exibida pela Rede Globo em 1974, e escrita por Dias Gomes, tem ritmo de série bem construída e passagens que lembram Os Simpsons. Por sinal, com a chance de cada personagem ali conseguir ser o Homer por alguns minutos, ou por alguns capítulos. Os três primeiros capítulos são tomados por um cavernoso engarrafamento no Túnel Novo – que divide Botafogo e Copacabana, na Zona Sul carioca – no último dia de 1972. Hoje dá para ver tudo no Globoplay, que resgatou a trama.

No túnel, os personagens vão aparecendo para, mais do que construir a história, dar uma baita sensação de caos. Isso porque parece que quase ninguém ali costuma ser ouvido ou enxergado de verdade. No caso do trio de bandidos interpretado por Betty Faria, Ruy Resende e Milton Gonçalves, nem eles conseguem enxergar sua própria falta de talento para roubar os outros, mas isso é apenas um detalhe.

Para quem passou a vida ouvindo as trilhas sonoras de O Espigão, a nacional e a internacional, lançadas pela Som Livre naquele mesmo ano, o mais legal é ver a utilização nos capítulos das faixas da trilha nacional (um perfeito disco pop-rock-MPB). Pela cidade, tema instrumental e quase progressivo do Azymuth, surge na primeira cena, com o assombrado Léo (Claudio Marzo) chegando de navio de Sergipe, passando pela Baía de Guanabara. Nessa hora, destaque para o estranho cromaqui marítimo e para as imagens das barcas Rio-Niterói em alto-mar.

Retrato 3×4, primeiro quase-hit de Alceu Valença, e segunda ou terceira tentativa de sucesso do cantor, antes da fama, surge nas cenas do assalto frustrado do trio de bandidos. Versos como “rasgue meu retrato 3×4/porque eles vão pintar o sete com você” dão a sensação de que a turma formada por Lazinha (Betty), Nonô (Milton) e Dico (Ruy) é bem mais robin hoodiana do que pode parecer. Na sombra da amendoeira, de Sá & Guarabyra, na voz do grupo niteroiense Os Lobos, dá vontade de visitar o tal casarão antigo que é, de fato, o tema da novela.

Alfazema, tema folk do hoje astrólogo Carlos Walker, surge inicialmente numa cena de total lesação e abandono na cidade grande (por sinal no fim da Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, Zona Sul do Rio, bem antes do excesso de bares e carros). Já o tema de abertura, o hard rock orquestral O espigão, de Zé Rodrix, vem da transição entre os álbuns I acto (1973) e Quem sabe sabe, quem não sabe não precisa saber (1974), os dois primeiros do cantor – que geraram um show apresentado no Rio em março de 1974, ao lado da banda Agência de Mágicos.

O repertório da trilha de O espigão ainda inclui um excelente e hoje cancelável samba-rock (Malandragem dela, de Tom & Dito, que tocou muito no rádio na época), uma música que surge como protesto à gentrificação no Rio, mas que tem mais a ver com a poluição em São Paulo (Botaram tanta fumaça, de Tom Zé), um tema clássico composto por Tuca (Berceuse), um samba antirracista com letra de Nei Lopes (Você vai ter que me aturar, com Sônia Santos) e um sambão triste composto e cantado por Benito di Paula (Último andar).

O espigão fez tanto sucesso que a trilha nacional voltou às lojas várias vezes. Volta e meia dá para achar um vinil a preço barato em loja de usados, mas o álbum foi relançado em CD na série Som Livre Masters, com remasterização comandada por Charles Gavin. Hoje é um caso raro de trilha de novela nacional dos anos 1970 que pode ser vista e ouvida.

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