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Cultura Pop

Sinal de Alerta: a abertura de novela mais punk da televisão brasileira

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Sinal de Alerta: a abertura de novela mais perturbadora da televisão brasileira

Exibida pela Globo entre 1978 e 1979, a novela Sinal de alerta mexeu em vespeiros um tanto complexos para a época.

Até aquele período, o tema “ecologia” aparecia em uma música ou outra do Roberto Carlos – isso para ficar nos produtos populares do Brasil. Não havia nem sequer um partido verde no país (o PV data de 1985). E temas como “poluição” e “meio ambiente” só apareciam mesmo em reportagens de telejornal, que davam ao grande público a sensação de que aquilo tudo era numa galáxia distante daqui.

Agora volte para o começo dos anos 1970 e analise o fato de que o cardápio do “milagre brasileiro” (e do governo militar) incluía arrocho geral em operários e fábricas trabalhando ininterruptamente. Nesse cenário, a Globo pôs no horário experimental das 22h uma trama (escrita por Dias Gomes) que falava da poluição das grandes cidades, da fumaça das chaminés das fábricas e da prepotência dos capitães de indústria. Por sinal, personificados em Tião Borges, o dono da poluidora fábrica de inseticidas Ferlitit e personagem de Paulo Gracindo.

Os fãs de aberturas de novelas e de trilhas sonoras também ganhavam uma surpresa com Sinal de alerta. Nas chamadas das novas tramas, era comum que a emissora apresentasse o elenco ao som da música da abertura – que era sempre um lançamento. Quem visse os comerciais da futura novela, com a demonstração do elenco, ouviria Salve o verde, balanço que Jorge Ben havia composto para o Quarteto Em Cy cantar. Uma outra inovação da novela já vinha nas chamadas: o nome Sinal de alerta não aparecia, apenas a máscara contra gases que simbolizava a trama.

No LP da trilha nacional, Salve o verde ocupava exatamente o local destinado às músicas de abertura nos antigos LPs (se você nunca tinha reparado, elas sempre encerravam o lado A). Mas na abertura, a Globo optou por não usar trilha e utilizar um som que mais parecia uma versão folhetinesca de Revolution 9, dos Beatles, com vários ruídos colados. E várias imagens que misturavam desenhos, fotos e uso de modelos.

Pode ter passado despercebido para muita gente, mas a abertura de Sinal de alerta levava para a TV brasileira algo parecido com o estilo gráfico das animações de Terry Gilliam para o Monty Phyton’s flying circus.

O velho slogan televisivo do “no ar, mais um campeão de audiência!” não funcionou para Sinal de alerta. A novela foi bastante criticada, não gerou muito Ibope e deixou o horário das 22h parado por alguns anos.

Com as greves do ABC paulista dobrando a esquina, a Globo insistiu em ambientar a história de Sinal de alerta no Rio. Isso pode ter servido para tranquilizar a censura, mas cortou parte do realismo da trama. Dias Gomes, não custa lembrar, havia se inspirado no dia a dia insalubre de um bairro de São Paulo para escrever o texto. Por sinal, a novela nem sequer revelava o nome do bairro carioca onde ficava a fábrica, “para não desvalorizá-lo” (dizia o autor a O Globo em 31 de julho de 1978).

Sinal de Alerta: a abertura de novela mais perturbadora da televisão brasileira

Várias imagens da abertura

A abertura de Sinal de alerta hoje, no entanto, é bastante lembrada – mais recentemente, por causa do YouTube, que a imortalizou. E marcou época por levar experimentação e uma arte quase punk à TV brasileira. O POP FANTASMA decidiu procurar os três criadores da abertura, Hans Donner, Rudi Böhm e Sergio Liuzzi, e reconstruir a história do trabalho.

Praticamente as mesmas perguntas foram feitas aos três. Böhm e Liuzzi responderam por escrito e Hans enviou um áudio por intermédio de seu assessor de imprensa. Optamos por contar tudo como uma história oral, com os temas envolvidos e tudo o que foi falado/escrito.

O COMEÇO

SERGIO LIUZZI. Entrei na Globo como assistente de cenografia. Havia trancado a Faculdade de Arquitetura na ilha do Fundão. Soube que dois alemães estavam preparando uma grande mudança na identidade visual da televisão. Conheci o Hans através do designer Nilton Nunes que já trabalhava na Globo há alguns anos. Fizemos a abertura de uma novela de época (das seis) que teve boa aceitação. A área que o Nilton trabalhava transferiu-se para o prédio recém-inaugurado numa sala ao lado do Hans. A partir daí, com o tempo nos aproximamos e tornei-me seu assistente.

RUDI BÖHM. Para encurtar a longa história, caso contrário, seria uma novela, eu trabalhava, neste época de 1972, como designer de televisão austríaca sob a direção de Erich Sokol. Ele era um excelente designer e fantástico chargista da Playboy e depois da Kronenzeitung em Viena.

Hans e eu nos conhecemos em Viena. Logo depois ele voltou do Brasil pela primeira vez. Como ele não sabia nada de animação e eu já trabalhava com desenhos animados e filmes de animação, ele me convidou para animar seus primeiros logotipos na Globo.

Ele voou de volta ao Rio com este primeiro filme de 35 mm, que foi em 1973. Pouco depois, em 1974, a Globo me convidou para uma consulta e logo depois mandou um contrato de trabalho como diretor de arte. Nossa área de trabalho foi dividida em duas divisões. O logotipo e o design corporativo era com o Hans e, mais tarde, com a ajuda de Sergio. E a minha parte estava o design em movimento. Nisso, Nilton Nunes, que era um editor de vídeo, foi um importante ajudante.

Também naquela época, tínhamos ajuda de Cissa Guimarães. Era nossa estagiária.

Além de aberturas de novelas, que eram produzidas em cinema, minha área era a criação das chamadas, pré-censuras, vinhetas, inter-programas e aberturas para séries de TV. A primeira abertura da novela Bravo foi em 1975, depois veio Estúpido cupido (1976), Espelho mágico, Nina (1977), O pulo do gato, Dancin days, Sinal de alerta (1978). Depois Pecado rasgado, Marrom glacé, Malu mulher, Plantão de polícia, Carga pesada (tudo em 1979), e todas as vinhetas da programação.

Nessa época, no Fantástico, fui produzido por Guga, irmão do Boni, na Blimp Filmes, de São Paulo. E ainda todos os jornais, como Jornal Nacional, Jornal Hoje, Jornal da Globo, Globo Repórter, Carnaval, etc.

No começo, não havia nenhuma câmera de animação tipo Oxberry no Brasil. Então eu voei de outubro a janeiro para Nova York e Los Angeles, onde criei e produzi o jogo das vinhetas anuais, em estúdios de cinema. E o resto do ano o meu tempo foi preenchido com produção de aberturas. O restante foi feito em vídeo com Nilton, Hans e Sergio.

HANS DONNER. Olha, difícil de imaginar que alguém me pergunte de um trabalho feito há 400 anos… Porque é assim que eu me sinto. Nas primeiras décadas, daquele ano de 1978, cada ano contava como dez. Depois cada ano virou 20, 30 em termos de contagem de tempo. Mas óbvio que eu me lembro de todos esses projetos, porque foram o início, literalmente, de mexer com a sensação e a emoção de todos os brasileiros.

Foi uma das aberturas que ficaram na memória, muitas pessoas devem se lembrar de Sinal de alerta. E naquele mesmo ano de 1978, eu preparei uma mulher saindo da banana (na abertura do humorístico O planeta dos homens). Hoje, nas minhas palestras, eu resumo e destaco os trabalhos mais impactantes, e com certeza a Wilma Dias (modelo da abertura) saindo da banana faz parte dessa seleção de dez ou doze aberturas que fazem as pessoas viajarem no tempo.

TECNOLOGIA NA TV, ANOS 1970

HANS DONNER. Era nítido para onde o mundo estava caminhando quando usamos aquelas imagens na abertura. O Rudi era um gênio, dominava uma máquina que custava 500 mil dólares e que a Globo comprou imediatamente quando eu pedi. E ainda tínhamos um assistente como o Sergio.

SERGIO LIUZZI. Até meados dos anos 1980, a computação gráfica dava seus primeiros passos. As abertura das novelas, telejornais e programas eram feitas em vídeo, de forma bastante rudimentar, ou em animação – Sinal de alerta – numa truca operada pelo Rudi, que a Globo alugava. A truca fazia as animações quadro a quadro em película, um processo demorado e extremamente complexo, porém com infinitos recursos.

RUDI BÖHM. A abertura de Sinal de alerta foi o primeiro trabalho e, de alguma forma, o único (na época não havia computador) onde eu combinava muitas técnicas. O material básico era fotografia de stop-motion e filmagens de time-lapse em fotografia.

O personagem principal era Claudinho, meu assistente de São Paulo na época. Aliás, um personagem maravilhoso.

O trabalho fotográfico e o material básico de filme ao vivo foram produzidos pela Lynxfilm. Lá tinha a única câmera de time-lapse do América do Sul. O material fotográfico foi inflado em Cibacrome (transparências), e depois composto com máscaras de Kodalith (papel fotográfico).

Só tinha uma câmera de animação (Oxberry) no Brasil. Era de Josef Reindl, um checo. A empresa chamava se Truca, na Rua Abolição, Bela Vista, que possuía a primeira câmera de animação inglesa, uma Nilson-Hardell. A imagem ao vivo foi combinada com o material stop motion na imagem aérea. No final, combinamos o material pré-trucado com as máscaras no banco óptico. E essa máquina chamava-se truca.

Hoje em dia tudo soa um pouco chinês, mas era um trabalho emocionante de quebra-cabeça que exigia muita paciência e perseverança.

Depois que meu storyboard foi aceito por Boni e pelo diretor Walter Avancini, o que aconteceu imediatamente, mudei-me para o Hotel Jaraguá, São Paulo, na Rua Martins Fontes. E comecei a produção. Carlito Maia, que trabalhava para a Globo na época, foi uma grande ajuda. Além de fazer uma maravilhosa introdução à culinária italiana em São Paulo!

Lembro-me de uma visita do Boni, dois, três dias antes do término do trabalho para ver a abertura na moviola. Ninguém havia visto esse trabalho antes.

Em um domingo chuvoso, a ponte aérea foi fechada. Eu voei para o Rio com um jato particular e o material entrou segunda-feira no ar.

HANS DONNER. Eu me lembro daquela cena em que quis mostrar a poluição da Lagoa Rodrigo de Freitas. Puxei aquele “pano de lama” na frente da câmera para inserir naquela cena porque na época planejava-se concretar a Lagoa e construir prédios, o que graças a Deus não aconteceu. A poluição virou de fato o que estávamos mostrando naquela época.

NADA DE MÚSICA-TEMA, SÓ RUÍDOS

RUDI BÖHM. Desde o início do meu trabalho como animador, sempre fiz meu próprio som para meus filmes. Para mim, não havia outra opção e Boni tinha 100% de confiança no meu trabalho. E imediatamente concordou com essa versão.

HANS DONNER. Foi incrível descobrir que um cara como o Boni permitiria que usássemos apenas uma máscara sem colocar escrito “sinal de alerta”. O Boni foi impressionante: aceitou que não colocássemos música, como em todas as novelas. Só ruídos. Isso já era uma loucura.

SERGIO LIUZZI. De todas as aberturas que participei, com o Hans (a maior parte) e com o Rudi, Sinal de alerta foi a mais ousada, uma vez que o conteúdo tratava de um tema até então inédito nas telenovelas – problemas do cada vez mais acentuado desordenamento urbano que afetavam os moradores dos grandes centros.

O Rio de Janeiro desde o início dos anos 80, vinha num processo acelerado de  desconstrução. Estávamos no final dos anos 80, e as questões ligadas ao meio ambiente não tinham a relevância e exposição diária nos meios de comunicação que têm hoje. Não existia internet. A questão ambiental não era tema de primeira página. A Eco 92 (que participei de uma exposição coletiva no MAM) só aconteceria 12 anos depois. Lembro-me que uma ou duas cenas do roteiro da abertura foram retiradas a pedido da direção. A trilha sonora ficou perfeita, em total sintonia com as imagens.

INFLUÊNCIA DE TERRY GILLIAM E MONTY PHYTON. TEVE?

SERGIO LIUZZI. Tomei conhecimento do Monty Python muitos anos depois. Honestamente não é definitivamente a minha praia. Devo ter visto umas duas vezes.

RUDI BÖHM. Sempre fui um fã de Terry Gilliam, desde o início. Eu amei e amo seu senso de humor e sátira. Hans e Sergio tinham um visão mais acadêmica e laqueada de design, um pouco como uma camada de pomada brilhante para os cabelos.

HANS DONNER. As trucagens na Oxberry foram um pouco inspiradas neles sim, e nessa linha se fez vários trabalhos.

INFLUÊNCIA DE “REVOLUTION 9”, DOS BEATLES. TEVE?

SERGIO LIUZZI. Agradeço pela analogia com Revolution 9, dos Beatles, mas honestamente, nunca passou por minha cabeça tal referência e acho que tampouco pelo Hans ou pelo Rudi. É possível que tenha havido, mas de forma totalmente inconsciente. Afinal somos da geração Beatles e Rolling Stones.

RUDI BÖHM (perguntado sobre se concordava com a comparação com a música dos Beatles) Concordo sim. Para mim, a arte em movimento só funciona com o conceito. Esta é a única maneira de explicar algo para o público e, às vezes (?!), permitir uma mudança na sociedade. Por esse motivo, mais tarde, trabalhei em várias TVs públicas no Brasil, o que me trouxe uma grande satisfação.

REPERCUSSÃO NA GLOBO

SERGIO LIUZZI. As propostas sempre eram levadas pelo Hans para que o Boni aprovasse. Não me lembro de nenhum comentário desfavorável. Creio que a abertura, quando apresentada para aprovação, teve uma ou duas passagens retiradas, mas não fizeram uma grande diferença. O tema da novela, por si só, já levantava algumas questões polêmicas.

RUDI BÖHM. Como eu disse, exceto o Boni, ninguém viu o trabalho até um dia antes de ir ao ar. Tanto quanto me lembro, não houve queixa. Naquela época, a poluição era um (quase) problema para o futuro. Dias Gomes, um homem sábio, era um dos poucos a tocar nesse tendão de Aquiles.

Foi também a primeira novela cujo logotipo era um desenho e não uma rotulação.

GRAVANDO O SOM.

RUDI BÖHM. Gravamos os trechos de ruídos no estúdio da Rita Lee, no Leblon. Guto Graça Mello foi responsável pelo gerenciamento técnico. Depois trouxe o material para São Paulo via fita magnética de 17 1/2 e montei na Moviola as bandas sonoras. Depois misturamos e mixamos no Estúdio Álamo na Vila Madalena. Uma cópia em som óptico foi desenvolvida e uma redução para 16mm foi feita com o internegativo de 35mm. Naquela época, a Globo ainda não possuía um telecine de 35 mm que transferia o filme para o vídeo.

SERGIO LIUZZI. As músicas das aberturas já chegavam definidas. As trilhas sonoras eram comercializadas pela gravadora Som Livre, uma empresa do grupo Globo. Não sei se a trilha de Sinal de alerta, distribuída pela Som Livre, incluía os ruídos usados na abertura – creio que não (não, os ruídos ficaram apenas na abertura).

TRABALHO EM CONJUNTO

RUDI BÖHM. Hans e Sergio fizeram o logotipo. Nada mais.

SERGIO LIUZZI. O primeiro contato que tínhamos com as novelas era feito através de uma sinopse com uma ou duas páginas. Os textos chegavam em português, sem tradução. Em Sinal de alerta, fizemos um storyboard a partir de anotações das idéias e propostas de cada um. A partir da narrativa que criamos, o Rudi construiu as imagens na Oxberry (truca).

O PÚBLICO FICOU IMPACTADO?

SERGIO LIUZZI. Não dava tempo para ter esse tipo de avaliação, nem tampouco interesse. Nosso ritmo de trabalho era intenso.

RUDI BÖHM. Foi realmente a única e provavelmente a última abertura que teve uma mensagem para o público. Não era um papel de embrulho para um produto, como os outros.

É claro que a plateia ficou chocada, mas eles entenderam o conteúdo.

Naquela época, não havia um Bolsonaro, dizendo coisas estúpidas.

DEPOIS DE “SINAL DE ALERTA”.

HANS DONNER. Nem me pergunte onde estão o Rudi e o Sergio, são 40 anos. De vez em quando escuto que um deles virou fazendeiro, cuida de escolas no interior de São Paulo… Foram pessoas que fizeram parte dos primeiros trabalhos, usando o desespero dos sinais que estavam por vir, e que hoje estão vendo o quanto valeu alertar as pessoas. Alertá-las que elas iriam ser transportadas dentro de latas de sardinha, ou sendo empurradas, como no Japão é praxe. Ou tendo memória dos prédios sendo arrancados com guindaste.

SERGIO LIUZZI. No segundo ano de faculdade, desisti definitivamente da Arquitetura, e dei muita sorte de ter trabalhado com o Hans. Com ele aprendi que design é persistência e dedicação. Os três anos e meio que trabalhamos lado a lado me deram a base para que eu partisse para outras aventuras (no design gráfico). Tive um escritório de design por vinte anos. Pude, então, “passear” por diversos segmentos, atendendo clientes das mais diferentes áreas e conhecer outros ótimos designers. Foi um desafio, mas valeu a pena.

RUDI BOHM. Hoje, minha vida cotidiana tem muitas facetas.

Dirigir vídeos documentais, escrever livros, fazer fotos e pintar exposições, cozinhar, trabalhar na minha carpintaria e cuida da manutenção da Escola e da biblioteca de Associação Apecatu.

Manutenção significa telefone, hidráulica, eletricidade, cadeiras, mesas… Dá para se divertir! Dá para se divertir! Entre no site www.rudibohm.com.br e/ou www.apecatu.org.br para ver mais.

HANS DONNER. Se vocês me levaram de volta para 1978 e acharam que o Sinal de alerta foi uma premonição, respondo que o verdadeiro Sinal de alerta eu fiz em 1992.

Foi a abertura da novela Deus nos acuda, quando veio na minha cabeça mostrar como nosso país ia ser roubado. E representei tudo com uma lama invadindo uma festa de roubalheira milionária em Brasília, em que a lama estava vindo até a boca e ninguém estava nem aí. Infelizmente ela entrou na nossa boca e o Brasil foi roubado.

Coloquei nessa abertura um sinal de alerta, de um presidente que foi impichado por comprar Ferraris e Porsches. A CNN botou um jornalista na minha sala na Globo para falar dessa abertura. Era um sinal de que só deus pode ajudar a gente. Essa abertura deveria ter tido o subtítulo “sinal de alerta”, mas ninguém se tocou. Estamos no fundo do poço e nosso país foi roubado do mapa múndi. Foram imagens que entraram além da retina, mas não entraram no estômago, para que cuidassem mais do nosso país.

Mais sobre Sinal de alerta aqui e aqui.
Aqui, o contexto político da novela.

Veja também no POP FANTASMA:
O grito: aquela novela perturbadora da Globo ganhou tese de doutorado

Cultura Pop

Relembrando: Public Image Ltd, “The flowers of romance” (1981)

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Relembrando: Public Image Ltd, "The flowers of romance" (1981)

Keith Levene, guitarrista que se dividiu em vários instrumentos nesse The flowers of romance, chegou a afirmar que o terceiro álbum de estúdio do Public Image Ltd é “provavelmente o disco mais anti-comercial já entregue a uma gravadora”. Faz sentido: The flowers mal pode ser chamado de punk ou pós-punk. Está mais para uma aventura experimental e percussiva, com músicas compostas apenas de voz e bateria (a claustrofóbica Four enclosed walls), voz, percussão, sinos e ruídos (Phenagen), voz, bateria e sons orquestrais tirados com virulência punk (a faixa-título), voz, bateria brutal e ruídos (Under the house).

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O som vai do mais assustador e climático ao mais documental, com sons ciganos e flamencos unidos a uma espécie de “música de selva”, dada pelo som da bateria e pelos vocais de John Lydon. Hymie’s him, com sintetizadores, percussões e batidas de latão, soa “industrial” anos antes de tal termo ficar famoso. Banging the door é um quase reggae que destaca o uso de sintetizadores Moog. Francis Massacre é literalmente um massacre sonoro, trazendo vocais lamentosos, batidas tribais e sons de guerra. A associação com a música e o imaginário hispânico surgem já na capa, que traz Jeannette Lee, empresária, gerente e melhor amiga da banda (e hoje sócia da gravadora Rough Trade), com uma flor na boca, e ameaçando o fotógrafo (e o/a ouvinte do disco) com um pilão.

Curiosamente, mesmo sendo um disco tão anti-pop, The flowers of romance (o nome é o mesmo de uma banda cata-corno punk que surgiu antes dos Pistols, e da qual Keith Levene e Sid Vicious fizeram parte) acabou tendo lá suas dimensões pop. O som da bateria já foi elogiado por Phil Collins (que trabalhou depois com o produtor do disco, Nick Launay), e soa quase como se tivesse sido produzido para cinema, e não para um álbum.

Esse som cinematográfico não rolou por acaso. A turma do PiL (na época, os inimigos íntimos Lydon e Levene, mais o baterista Martin Atkins) aproveitou todos os recursos de um novo brinquedo do empresário Richard Branson: o estúdio The Manor, literalmente um estúdio de ponta construído numa mansão histórica. Antes de começar, foram sete dias (de um total de dez dias agendados) “curtindo” um bloqueio de compositor que travou toda a banda. Jah Wobble, baixista do PiL e sujeito cheio de ideias, saiu pouco antes da gravação, o que piorou um pouco as coisas – por acaso, só duas faixas de Flowers (Track 8 e Banging the door têm o instrumento.

The flowers of romance marcou um período de bons investimentos na banda ainda que não vendessem tanto – 1983 foi inclusive o ano do duplo Live in Tokyo, gravado no Japão, e que rendeu até um homevideo, mania da época. Daí para a frente, era o PiL virando algo mais próximo daquele som que pode até tocar no rádio, mas assusta. E muito.

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Relembrando: Vários, “O espigão – trilha sonora nacional” (1974)

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Relembrando: Vários, "O espigão - trilha sonora nacional" (1974)

Até os dez primeiros capítulos (que foi até onde assisti), O Espigão, novela das 22h exibida pela Rede Globo em 1974, e escrita por Dias Gomes, tem ritmo de série bem construída e passagens que lembram Os Simpsons. Por sinal, com a chance de cada personagem ali conseguir ser o Homer por alguns minutos, ou por alguns capítulos. Os três primeiros capítulos são tomados por um cavernoso engarrafamento no Túnel Novo – que divide Botafogo e Copacabana, na Zona Sul carioca – no último dia de 1972. Hoje dá para ver tudo no Globoplay, que resgatou a trama.

No túnel, os personagens vão aparecendo para, mais do que construir a história, dar uma baita sensação de caos. Isso porque parece que quase ninguém ali costuma ser ouvido ou enxergado de verdade. No caso do trio de bandidos interpretado por Betty Faria, Ruy Resende e Milton Gonçalves, nem eles conseguem enxergar sua própria falta de talento para roubar os outros, mas isso é apenas um detalhe.

Para quem passou a vida ouvindo as trilhas sonoras de O Espigão, a nacional e a internacional, lançadas pela Som Livre naquele mesmo ano, o mais legal é ver a utilização nos capítulos das faixas da trilha nacional (um perfeito disco pop-rock-MPB). Pela cidade, tema instrumental e quase progressivo do Azymuth, surge na primeira cena, com o assombrado Léo (Claudio Marzo) chegando de navio de Sergipe, passando pela Baía de Guanabara. Nessa hora, destaque para o estranho cromaqui marítimo e para as imagens das barcas Rio-Niterói em alto-mar.

Retrato 3×4, primeiro quase-hit de Alceu Valença, e segunda ou terceira tentativa de sucesso do cantor, antes da fama, surge nas cenas do assalto frustrado do trio de bandidos. Versos como “rasgue meu retrato 3×4/porque eles vão pintar o sete com você” dão a sensação de que a turma formada por Lazinha (Betty), Nonô (Milton) e Dico (Ruy) é bem mais robin hoodiana do que pode parecer. Na sombra da amendoeira, de Sá & Guarabyra, na voz do grupo niteroiense Os Lobos, dá vontade de visitar o tal casarão antigo que é, de fato, o tema da novela.

Alfazema, tema folk do hoje astrólogo Carlos Walker, surge inicialmente numa cena de total lesação e abandono na cidade grande (por sinal no fim da Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, Zona Sul do Rio, bem antes do excesso de bares e carros). Já o tema de abertura, o hard rock orquestral O espigão, de Zé Rodrix, vem da transição entre os álbuns I acto (1973) e Quem sabe sabe, quem não sabe não precisa saber (1974), os dois primeiros do cantor – que geraram um show apresentado no Rio em março de 1974, ao lado da banda Agência de Mágicos.

O repertório da trilha de O espigão ainda inclui um excelente e hoje cancelável samba-rock (Malandragem dela, de Tom & Dito, que tocou muito no rádio na época), uma música que surge como protesto à gentrificação no Rio, mas que tem mais a ver com a poluição em São Paulo (Botaram tanta fumaça, de Tom Zé), um tema clássico composto por Tuca (Berceuse), um samba antirracista com letra de Nei Lopes (Você vai ter que me aturar, com Sônia Santos) e um sambão triste composto e cantado por Benito di Paula (Último andar).

O espigão fez tanto sucesso que a trilha nacional voltou às lojas várias vezes. Volta e meia dá para achar um vinil a preço barato em loja de usados, mas o álbum foi relançado em CD na série Som Livre Masters, com remasterização comandada por Charles Gavin. Hoje é um caso raro de trilha de novela nacional dos anos 1970 que pode ser vista e ouvida.

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Cultura Pop

No nosso podcast, os primeiros anos do Soft Cell

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No nosso podcast, os primeiros anos do Soft Cell

O Soft Cell tá vindo aí pela primeira vez. A dupla de Marc Almond e Dave Ball se apresenta no Brasil em maio, e vai trazer – claro – seu principal hit, Tainted love. Uma música que marcou os anos 1980 e vem marcando todas as décadas desde então, e que deu ao Soft Cell um conceito todo próprio – mesmo não sendo (você deve saber) uma canção autoral. Era um dos destaques de seu álbum de estreia, Non stop erotic cabaret (1981), um dos grandes discos da história do synth pop.

No nosso podcast, o Pop Fantasma Documento, voltamos lá no comecinho do Soft Cell, mostramos a relação da dupla com uma das cidades mais fervilhantes da Inglaterra (Leeds) e damos uma olhada no que é que está impresso no DNA musical dos dois – uma receita que une David Bowie, T Rex, filmes de terror, Kenneth Anger, sadomasoquismo e vários outros elementos.

Século 21 no podcast: Red Cell e Noporn.

Estamos no Castbox, no Mixcloud, no Spotify, no Deezer e no Google Podcasts. 

Edição, roteiro, narração, pesquisa: Ricardo Schott. Identidade visual: Aline Haluch. Trilha sonora: Leandro Souto Maior. Vinheta de abertura: Renato Vilarouca. Estamos aqui de quinze em quinze dias, às sextas! Apoie a gente em apoia.se/popfantasma.

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